Paramilitares anunciam governo rival no Sudão, após dois anos de guerra

Sudaneses que fugiram do campo de Zamzam, em Darfur, refugiados perto da cidade de Tawila, em 13 de abril de 2025

O chefe do grupo paramilitar sudanês Forças de Apoio Rápido (FAR), general Mohamed Hamdan Daglo, declarou nesta terça-feira (15) a formação de um governo rival, dois anos após o início do conflito entre o seu grupo e o Exército do país.

Desde abril de 2023, o Sudão está mergulhado em um conflito entre o Exército, liderado pelo general Abdel Fattah al Burhan, e as FAR, comandadas por Daglo, ex-subordinado de Burhan. A guerra civil já matou dezenas de milhares de pessoas, deslocou 13 milhões e desencadeou a pior crise humanitária do mundo.

“Neste aniversário, afirmamos com orgulho a formação de um governo de paz e união”, comunicou Daglo no aplicativo Telegram. Segundo ele, esse Executivo deveria “representar o verdadeiro rosto do Sudão”. Haverá uma nova moeda e novos documentos de identidade, informou.

Em um documento de seis páginas, consultado pela AFP, Daglo esclarece que não se trata “de um Estado paralelo”, e sim “do único futuro viável” para o país. “Nosso governo fornecerá os serviços básicos, educação, saúde e justiça, não apenas nas áreas controladas pelas FAR e pelos movimentos armados, mas em todo o país.”

Após o início do conflito, a capital sudanesa, Cartum, tornou-se em poucas horas um campo de batalha, com corpos nas ruas e centenas de milhares de pessoas em fuga. Aqueles que optaram por ficar na cidade tiveram que lutar para sobreviver.

“Eu peso metade do que pesava antes da guerra”, disse Abdel Rafi Hussein, 52 anos, que viveu sob o controle das FAR na capital até o mês passado, quando o Exército retomou o controle da cidade.

“Estamos seguros [agora], mas não temos água, nem energia elétrica. A maioria dos hospitais não funciona”, acrescentou.

A reconquista de Cartum pelo Exército representou uma virada após mais de um ano de derrotas. Muitos civis comemoraram o que consideraram uma “libertação” após meses sob o jugo das FAR, acusadas de genocídio, saques e violência sexual.

Zainab Abdelrahim, uma mulher de 38 anos, voltou no início de abril ao norte de Cartum com seus seis filhos e mal reconheceu sua casa, que foi saqueada. “Tentamos recuperar o essencial, mas não temos nem água, nem energia elétrica, nem medicamentos”, disse à AFP.

A cidade está parcialmente destruída e as munições que não explodiram representam um grave problema de segurança.

– ‘Desviar o olhar’ –

As FAR, no entanto, prosseguem com a ofensiva em Darfur, uma ampla região do oeste do Sudão, assolada pela fome, com o objetivo de conquistar El Fasher, a última capital regional ainda sob o controle do Exército oficial.

As forças militares informaram hoje que realizaram ataques aéreos bem-sucedidos contra posições das FAR ao nordeste de El Fasher.

Reunidos em Londres, autoridades de países do leste da África e da Europa se comprometeram a mobilizar cerca de 900 milhões de dólares (5,2 bilhões de reais) adicionais em ajuda para o Sudão. Nenhuma das partes em conflito compareceu ao encontro.

“Dois anos é muito tempo. A guerra brutal no Sudão destruiu a vida de milhões de pessoas e, apesar disso, grande parte do mundo continua desviando o olhar”, lamentou o ministro britânico das Relações Exteriores, David Lammy.

O alto comissário das Nações Unidas para os Refugiados, Filippo Grandi, afirmou que o Sudão sofre com a “indiferença do mundo”.

“Os sudaneses estão cercados por todos os lados: guerra, abusos generalizados, indignidade, fome e outras penúrias”, afirmou, antes de alertar que “continuar olhando para o outro lado terá consequências catastróficas”.

Um dia antes do aniversário, o secretário-geral da ONU, António Guterres, alertou que os civis “continuam sendo os mais castigados” pela guerra. O número exato de mortos é desconhecido, devido ao colapso do sistema de saúde, mas o ex-enviado americano Tom Perriello mencionou estimativas de até 150 mil vítimas. Os dois lados foram acusados de atacar civis, bombardear residências e bloquear a ajuda.

Cerca de 25 milhões de pessoas enfrentam um cenário de insegurança alimentar grave e 8 milhões estão à beira da fome.

Segundo o Unicef, 2.776 crianças morreram ou foram mutiladas em 2023 e 2024, contra 150 de 2022, e é provável que o número real seja maior.

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