Direção de escola convoca mãe para reclamar de lanche enviado a filha celíaca

Mãe alega ter identificado contaminação cruzada (erro no modo de preparo), o que traz riscos à saúde da filha

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Reprodução/Instagram

A mãe de uma aluna da rede pública de Araucária (PR), na região metropolitana de Curitiba, afirma que a escola onde a filha estuda está criando dificuldades para a menina levar e consumir os próprios alimentos, o que a prefeitura nega. A estudante, de 9 anos, tem doença celíaca, e costuma levar refeições sem glúten para o colégio, preparadas pela mãe.A escola oferece alimentos para celíacos, mas, segundo a mãe, a experiência da filha no local foi ruim no passado. Ela alega ter identificado contaminação cruzada (erro no modo de preparo), o que traz riscos à saúde da filha.De acordo com o Ministério da Saúde, a doença é uma reação exagerada do sistema imunológico ao glúten, proteína encontrada em cereais como trigo, centeio, cevada e o malte. Ela é autoimune e o principal tratamento é uma dieta rigorosa.O caso em Araucária ganhou repercussão depois que trechos de uma reunião conduzida por representantes da Secretaria de Educação passaram a ser publicados pela mãe da menina, Tayrine Novak, em uma rede social. Na reunião, a mãe aparece sendo questionada sobre os bolos com cobertura que têm colocado na lancheira da filha, e que chamariam a atenção de outras crianças.No primeiro vídeo divulgado, é possível ouvir a voz do chefe de gabinete da Secretaria da Educação, Eduardo Schamne, lendo para Novak uma reclamação por escrito feita à Ouvidoria do município por outra mãe de um aluno. A mulher reclama que seu filho “fica com vontade” quando vê “o bolo com cobertura” da colega e pede providências da escola.”Tem uma criança que não pode comer a comida da escola. O problema é que essa criança leva comidas que não são iguais às comidas que meu filho come. Ultimamente, ela traz bolo com cobertura e come na frente de todos. Meu filho fica com vontade. Ela não divide porque diz que não pode dar para ninguém. Já tentei fazer o bolo e ele acha que não fica igual. Está certo isso? Entendi que tem questões de saúde, mas e as outras crianças? Não podemos mandar lanche. Sou assalariada e mãe sozinha e nem tudo que ele vê eu posso comprar”, afirmou a mulher, na leitura feita pelo chefe de gabinete.Além dele e da mãe Tayrine Novak, também estavam presentes na reunião outras quatro pessoas: a diretora-geral da Secretaria da Educação, a diretora da escola, o diretor do Departamento de Alimentação Escolar e uma nutricionista deste departamento.Novak explica na reunião que não tem dinheiro para comprar pão sem glúten todo dia e que bolo se tornou a alternativa mais viável. “A gente não é rico. O que sai mais barato para mim é bolo. Então eu faço bolo de cenoura, bolo de fubá, bolo de cacau”, disse ela.A prefeitura encaminhou nota na qual lembra que os pais que optarem por mandar alimentos próprios devem adotar um cardápio semelhante ao oferecido pela escola.”Para crianças celíacas, a alimentação também é oferecida, mas, para evitar contaminação cruzada, os pais podem optar por enviar a comida de casa, conforme a lei municipal 4513, de 26 de dezembro de 2024. Essa lei também orienta que os alimentos enviados sejam semelhantes aos oferecidos pela escola, promovendo a inclusão”, informa o texto.”A Secretaria de Educação ofereceu a opção de ela retirar os alimentos na escola para preparar em casa, mas a mãe preferiu não aceitar”, disse a prefeitura.Em outro trecho do vídeo da reunião, uma das representantes da secretaria de Educação pergunta a Novak se a filha dela poderia almoçar em outro local nos dias em que a refeição destoar do cardápio da escola.”Naquele dia que ela não consegue aproximar o cardápio, qual seria a solução? Ir para casa almoçar e voltar?”, diz ela.O chefe de gabinete da Secretaria da Educação, Eduardo Schamne, disse que a rede de ensino atende normalmente hoje outros dez estudantes com doença celíaca e que a mãe da aluna não aceita as alternativas propostas.”O que está acontecendo? O lanche é banana, ela manda pitaia. O lanche é maçã, ela manda morango e kiwi. Esta escola fica numa região de vulnerabilidade socioeconômica gigantesca. E aí a criança é movida pelo desejo. Neste dia que ela mandou o bolo de cenoura com cobertura de chocolate, o cardápio escolar era canjica. Qual a semelhança?”, afirmou ele.”Demos muitas opções a ela, mas infelizmente a mãe não se agradou com nenhuma delas. Nós não infringimos direitos da criança”, disse Schamne. A escola, que é de tempo integral, oferece café da manhã, almoço e lanche da tarde.Os advogados Daniel Kaefer e Eduardo Kivel, que se apresentaram para dar suporte jurídico a Tayrine Novak após a repercussão do caso, disseram que a reunião foi “absurda e constrangedora”.Eles afirmam que vão fazer uma representação administrativa às autoridades do município e também levar o caso para o Ministério Público. Eventuais medidas judiciais não estão descartadas.”Entendemos que há violação dos princípios da dignidade da pessoa humana, do direito à educação, do direito à saúde, da proteção integral da criança. Outro aspecto é a questão da autonomia familiar, que entendemos que foi desrespeitado. São todos direitos com respaldado constitucional”, disse Kivel.

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