Ceva: prática ‘comum’ coloca ecossistema em risco em local onde onça atacou homem no Pantanal, dizem especialistas


A prática de ceva consiste em alimentar o animal para que ele se habitue com à presença humana; onça-pintada foi capturada em pesqueiro onde Jorge Ávalo foi atacado, em Aquidauana. Onça-pintada foi capturada na madrugada de quinta-feira (24).
PMA
A prática de ceva é apontada como “comum” na região em que o caseiro Jorge Ávalo, de 60 anos, foi encontrado morto após ser atacado por uma onça, no Pantanal de Aquidauana (MS). Especialistas ouvidos pelo g1 afirmam que a ação coloca em risco todo o ecossistema.
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O coordenador do Programa de Conservação da Panthera no Brasil, Fernando Tortato, alerta que a prática da ceva pode aumentar o risco de ataques, ao fazer com que animais silvestres percam o medo natural do ser humano e passem a associá-lo à oferta de alimento — comportamento que pode ter causado o ataque ao pantaneiro Jorge.
“Ao condicionar o animal à presença humana, ele perde esse medo natural que uma onça tem do ser humano, e isso não deve ser encarado como normal. E o pior dessa questão da ceva é que ela passa a associar o ser humano com alimento. Então, além de você condicionar o animal a ficar transitando ambientes do homem de maneira tranquila, ele também condiciona com a alimentação”.
A morte de Jorge pelo ataque do felino foi confirmada pela Polícia Militar Ambiental (PMA), após partes do corpo da vítima serem encontradas ao lado de pegadas do animal, na beira do rio. Dias depois do ataque, uma onça-pintada foi capturada pela PMA. A ação foi coordenada pelo governo de Mato Grosso do Sul.
O animal é um macho de 94 quilos, que foi capturado na madrugada de quinta-feira (24), na região onde ocorreu o ataque ao caseiro Jorge, próximo aos rios Miranda e Aquidauana, no Pantanal.
Onça-pintada é capturada em pesqueiro onde homem foi atacado e morto
O professor e pesquisador Gediendson Araújo, especialista em animais de grande porte, pontua que o ataque de felinos a seres humanos é raríssimo e pode estar relacionado a presença e aceitação de um animal silvestre à presença de humanos. “O animal perdeu o medo de ver o homem como um predador, e acabou tendo essa situação com esse desfecho. Então a coisa é incomum de acontecer, são poucos os relatos, e é uma pena que teve uma perda humana”, disse Araújo.
Para o tenente Alexandre Saraiva Gonçalves, comandante do pelotão de Porto Murtinho da PMA, a convivência de animais silvestres com humanos – e a alimentação oferecida para a onça, é um ponto de atenção na morte de Jorge. “A ceva é uma ação proibida na legislação estadual e federal”.
‘Espetacularização da fauna’
Onça-pintada no Pantanal
Arquivo pessoal/André Bittar
Fernando Tortato reitera que os animais estão sendo ‘cevados’, ou seja, alimentados com frequência por pessoas para fins turísticos — uma prática criminosa que traz riscos tanto para os humanos quanto para os próprios animais. O especialista chama a atenção para os riscos da “espetacularização da fauna”, impulsionada pela busca por fotos e vídeos com animais silvestres.
“A gente está em um mundo muito atento às mídias sociais, a essa espetacularização da fauna, onde você vê um animal muito perto e faz vídeos. As pessoas querem registrar momentos impressionantes, como interações de perto com animais selvagens, mas esse tipo de comportamento leva a riscos desnecessários”, alerta.
Vítima foi identificada como Jorge Avalo, de 60 anos.
Redes sociais/Reprodução
O biólogo destaca a importância de entender que todo animal silvestre representa risco, justamente por ser selvagem e não domesticado. “Não se trata de um pet ou de um animal doméstico. É essencial ter esse cuidado, porque muitas vezes só se pensa nas consequências depois que um acidente acontece”, ressalta.
O biólogo alerta que alimentar animais silvestres é uma prática incorreta e inapropriada. Ele cita como exemplo uma situação comum no Pantanal: durante uma pescaria, alguém decide jogar uma piranha na margem do rio ao avistar uma onça, com a intenção de atrair o animal para tirar uma selfie e compartilhar nas redes sociais. “O turista pode até ficar satisfeito com a imagem, mas esse ato gera consequências graves. A onça começa a associar a presença de barcos com comida, o que pode representar risco para outras pessoas que nada têm a ver com essa interação”, explica.
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