A coragem dos Voluntários nas enchentes de 2024 no RS

Amanhã, 4 de maio de 2025, marca o primeiro aniversário das enchentes que devastaram o Rio Grande do Sul em 2024, um evento classificado como a maior catástrofe climática da história do estado. Com 184 mortes, 2,4 milhões de pessoas afetadas e prejuízos econômicos superiores a R$ 4,6 bilhões, a tragédia expôs tanto a resiliência da população quanto as falhas crônicas do poder público.

Ricardo Fan

Quando as enchentes devastaram o Rio Grande do Sul em maio de 2024, a resposta da população foi marcada por uma impressionante onda de solidariedade. Voluntários mobilizaram barcos, veículos e até pranchas de surfe para resgatar famílias ilhadas.

Muitos abriram as portas de suas casas para acolher desabrigados e montar cozinhas solidárias. Em cidades como Canoas, foram criados centros de acolhimento para centenas de animais resgatados, incluindo o agora famoso cavalo Caramelo.

Plataformas digitais, como a do Centro Universitário Ritter dos Reis, desempenharam um papel crucial na coordenação de milhares de salvamentos, evidenciando a força da mobilização comunitária.

Mas foram os voluntários anônimos que mais brilharam, arriscando a própria vida para salvar a de outros — como na emblemática corrente humana formada no viaduto Mathias Velho, em Canoas, ou no emocionante resgate de Caramelo.

Os Heróis Anônimos: Coragem em Ação

As enchentes de 2024, desencadeadas por chuvas que despejaram até 700 mm de água em poucos dias, transformaram cidades como Porto Alegre e Canoas em cenários de devastação. O lago Guaíba atingiu 5,37 metros, submergindo bairros inteiros. Diante do caos, cidadãos comuns se tornaram heróis, mobilizando-se para resgatar vítimas, distribuir suprimentos e oferecer abrigo, muitas vezes sem qualquer reconhecimento.

Um dos momentos mais emblemáticos ocorreu na noite de 4 de maio de 2024, no bairro Mathias Velho, em Canoas. Voluntários formaram uma corrente humana, dando as mãos para puxar barcos e resgatar moradores ilhados pelas águas barrentas. Esse “cordão humano” foi essencial para superar a força das correntezas, permitindo que barcos alcançassem áreas isoladas.

Cada resgate bem-sucedido era celebrado com aplausos, refletindo a união e a determinação da comunidade. Vídeos compartilhados nas redes sociais capturaram a emoção do momento, mostrando como cidadãos comuns, sem treinamento formal, arriscaram suas vidas para salvar vizinhos, idosos e crianças. Esse ato de heroísmo não apenas salvou dezenas de pessoas, mas também simbolizou a força coletiva do povo gaúcho.

Gabriela Woloski trabalhou incansavelmente na retaguarda, distribuindo alimentos, ração para animais e roupas para os desabrigados. Guilherme (segundo da esquerda para a direita na foto ao lado), com sua experiência, foi fundamental nos resgates, ajudando a salvar inúmeras vidas.

O Resgate de Caramelo: Um Símbolo de Esperança

Outro episódio que capturou o coração do Brasil foi o resgate de Caramelo, um cavalo que sobreviveu quatro dias ilhado no telhado de uma casa no mesmo bairro Mathias Velho, em Canoas. Sem acesso a comida ou água, Caramelo resistiu às condições adversas graças à sua força natural e ao fato de estar bem alimentado e hidratado antes da tragédia.

Em 9 de maio de 2024, o Corpo de Bombeiros realizou o resgate, utilizando um barco inflável para transportar o animal em segurança. A veterinária Sandra Fernandes, da Casa do Equilíbrio Pet, descreveu a sobrevivência de Caramelo como “atípica”, destacando os riscos de frio, chuva, afogamento e desidratação que ele enfrentou.

Após o resgate, Caramelo precisou de cuidados intensivos, incluindo hidratação, alimentação adequada e exames para prevenir doenças como tétano. Embora o paradeiro de seu dono permaneça desconhecido, a história de Caramelo tornou-se um símbolo de resiliência e esperança, inspirando campanhas de apoio a animais afetados pelas enchentes. O resgate, amplamente divulgado, reforçou a importância de proteger todas as formas de vida durante desastres.

Outros Atos de Heroísmo

Além da corrente humana e do resgate de Caramelo, outros esforços voluntários marcaram a tragédia. Em Porto Alegre, voluntários usaram pranchas de surfe para resgatar pessoas em áreas inundadas, enquanto em cidades menos afetadas, como Portão, redes de cerca de 100 voluntários apoiaram municípios vizinhos, como São Leopoldo e Montenegro (Wikipedia).

Muitos abriram suas casas como abrigos ou transformaram cozinhas em centros de produção de refeições. Em Canoas, um centro improvisado abrigou 600 cães resgatados até 7 de maio, demonstrando o compromisso com os animais.

A tecnologia também foi uma aliada. O Centro Universitário Ritter dos Reis criou uma plataforma online que coordenou mais de 12 mil resgates. Cerca de 20 helicópteros particulares foram usados para salvamentos, e aeronaves privadas transportaram 2,5 toneladas de doações de São Paulo em 10 de maio. Esses esforços mostram como a sociedade civil se organizou de forma autônoma, muitas vezes superando a resposta oficial.

Essa equipe de voluntários resgatou dezenas de pessoas na área do bairro Fátima, em Canoas, RS, demonstrando total dedicação e complementando os esforços de resgate em uma região gravemente afetada.

Impactos Humanitários e Econômicos

Os efeitos foram devastadores, com 184 mortes confirmadas até 20 de agosto de 2024 e 25 pessoas ainda desaparecidas, segundo a Defesa Civil estadual. Mais de 2,4 milhões de pessoas foram afetadas, com 442 mil deslocadas, sendo 18 mil em abrigos e 423 mil desalojadas. A infraestrutura sofreu severamente: 640 mil residências ficaram sem abastecimento de água, e 440 mil clientes ficaram sem eletricidade, impactando 478 municípios, ou 96% do território estadual.

Economicamente, a Confederação Nacional de Municípios (CNM) estimou danos de R$ 4,6 bilhões, com foco em habitação, enquanto a Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg) reportou R$ 1,6 bilhão em sinistros até 27 de maio de 2024.

A agricultura também foi gravemente afetada, com perdas em culturas como soja, arroz, trigo e milho, devido à erosão hídrica intensificada pelas chuvas. Saúde pública foi outro setor impactado, com mais de 3.000 estabelecimentos de saúde afetados e 13 mortes por leptospirose confirmadas até 4 de junho de 2024.

População buscando culpados…

Protocolo e Desinformação

A resposta do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva às enchentes foi marcada por controvérsias. Lula visitou o Rio Grande do Sul três vezes a partir de 29 de abril de 2024, incluindo uma passagem por Santa Maria em 2 de maio, onde fez um discurso público.

O governo federal mobilizou 14.500 trabalhadores, incluindo militares e médicos, e prometeu R$ 10 bilhões em ajuda, além de um bilhão do banco dos BRICS. No entanto, a percepção de muitos foi de que suas ações foram mais protocolares do que efetivas.

Embora Lula tenha prometido esforços para reconstruir o estado, sua presença foi criticada por alguns como simbólica. Sobrevoos de helicóptero e aparições públicas foram vistos como gestos de visibilidade, mas sem impacto imediato. A demora nos resgates, com vítimas esperando até três dias, e a recusa de ajuda do Uruguai por problemas logísticos reforçaram a percepção de ineficiência. Uma foto divulgada, sugerindo que Lula estava diretamente envolvido nos esforços, foi criticada por alguns como uma tentativa de iludir a população, embora não haja evidências de manipulação direta.

Campanhas de desinformação amplificaram as críticas. Postagens em redes sociais e vídeos falsos alegaram que o exercito bloqueou ajuda, retardou suprimentos para autopromoção e até desviou recursos.

O Papel Crucial das Forças Armadas: Operação Taquari

Apesar da demora inicial na mobilização das Forças Armadas, atribuída à descoordenação dos governos estadual e federal, o Exército Brasileiro desempenhou um papel fundamental na resposta às enchentes por meio da Operação Taquari.

Uma vez acionado, o Exército assumiu o comando das operações, coordenando resgates, distribuindo suprimentos e restaurando a ordem em áreas devastadas. Com mais de 12 mil militares envolvidos, a operação incluiu o uso de helicópteros, barcos e veículos para alcançar comunidades isoladas, além de apoio logístico para abrigos (Exército Brasileiro).

A liderança militar trouxe estrutura à resposta caótica, complementando os esforços voluntários e salvando inúmeras vidas, apesar dos atrasos iniciais que prolongaram o sofrimento de algumas vítimas.

Sargento Strassbuguer da 3ª Cia e CMB MEC – Na ajuda ao resgate de do gatinho (na caixa) que ficou isolado por 2 semanas, “toda a vida é importante”

O Descaso com os Diques

Em Porto Alegre e Canoas, as gravidades das enchentes não foram apenas resultado de chuvas extremas, mas também de falhas na manutenção e no projeto do sistema de proteção contra cheias.

O sistema, que inclui o Muro da Mauá e 68 km de diques, foi construído na década de 1970 para prevenir enchentes como a de 1941. Em 2024, o sistema colapsou parcialmente, permitindo que as águas invadissem áreas protegidas.

Especialistas apontam que a falta de manutenção e problemas de projeto foram decisivos. Um relatório de mais de 40 engenheiros afirmou que o sistema falhou por negligência na manutenção.

O Muro da Mauá, com 2,6 km de extensão, apresentou brechas que permitiram a entrada de água, agravando as inundações (GaúchaZH). A falta de vedação adequada e o descuido com as comportas metálicas transformaram a estrutura em um obstáculo que retardou o escoamento.

Durante os anos em que o PT administrou Porto Alegre (1989-2004 e 2005-2016), houve críticas à gestão da manutenção dos diques e do sistema de drenagem. Um relatório da Revista Pesquisa FAPESP destaca que o sistema exigia altos investimentos, que não foram priorizados (Revista Pesquisa FAPESP). Entre 2012 e 2022, os investimentos da DMAE caíram 44%, com recursos para drenagem reduzidos pela metade. Parte desse período coincide com a administração petista, sugerindo negligência.

Tamém haviam propostas do PT de derrubar o Muro da Mauá, sob o argumento de melhorar a estética da orla, foram amplamente criticadas.

Essas ideias, discutidas durante a gestão de José Fortunati (com apoio petista em alguns momentos), ignoraram a função crítica do muro. A falta de modernização e manutenção contribuiu para o colapso em 2024.

Impactos da Negligência

A falha do sistema de diques resultou em cenas de pânico e milhares de desalojados. Em 9 de maio de 2024, vídeos mostraram água escapando do centro de Porto Alegre de volta ao Guaíba, evidenciando que o Muro da Mauá dificultou o escoamento.

O governo federal anunciou uma investigação sobre as falhas dos diques, reconhecendo a falta de manutenção como um fator crítico.

Reflexão

As enchentes de 2024 no Rio Grande do Sul são um marco de heroísmo e falhas. Os voluntários anônimos, com atos como a corrente humana no viaduto Mathias Velho, o resgate de Caramelo e os esforços incansáveis de figuras como Gabriela Woloski e Guilherme, salvaram vidas e ofereceram esperança, preenchendo lacunas deixadas pelo poder público.

A Operação Taquari, liderada pelo Exército, foi essencial, apesar de atrasos iniciais. O primeiro aniversário das enchentes é um tributo à resiliência e ao voluntarismo do povo gaúcho, que transformou uma tragédia em um marco de solidariedade.

Heróis anônimos, como os que formaram a corrente humana no viaduto Mathias Velho, em Canoas, e resgataram Caramelo, enfrentaram as águas implacáveis para salvar vidas e reacender a esperança.

Apesar dos obstáculos impostos pelas falhas do poder público, a união da comunidade, que abriu suas casas, distribuiu suprimentos e reconstruiu laços, demonstrou uma força inquebrantável. Esse espírito de luta e compaixão, forjado nas adversidades, ilumina o caminho do Rio Grande do Sul, provando que, mesmo nas piores tempestades, o coração gaúcho pulsa com coragem e determinação para construir um futuro mais forte.

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