Como o apoio da China mantém a economia e a guerra da Rússia

Moscou depende cada vez mais da aproximação com Pequim para abastecer seu PIB. Relação assimétrica reforça liderança estratégica do país asiático em meio à política tarifária dos EUA.

(DW) Com as sanções do Ocidente sufocando a economia russa desde o início da invasão da Ucrânia, Moscou depende cada vez mais da China para escoar matérias-primas e, assim, financiar sua campanha militar, que já dura três anos.

Desde o início da guerra, a China se tornou o principal parceiro econômico da Rússia, com trocas comerciais atingindo 244 bilhões de dólares (cerca de R$ 1,2 trilhão) no ano passado. Em fevereiro de 2022, os países assinaram uma parceria “sem limites” nos âmbitos econômico, militar e diplomático – uma tentativa de contornar a influência ocidental.

A crescente importância de Pequim para o Kremlin ficou evidente durante a celebração do 80º aniversário do triunfo soviético sobre a Alemanha nazista na Segunda Guerra.

O presidente chinês, Xi Jinping, ganhou lugar de destaque ao lado de seu homólogo russo, Vladimir Putin – uma tentativa de mostrar que a Rússia não estava isolada no cenário internacional. O presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva também esteve presente e foi um dos poucos líderes de países democráticos que acompanharam a cerimônia.

“A confiança mútua entre a China e a Rússia se torna cada vez mais profunda, com a cooperação pragmática forjando um vínculo inquebrável”, disse Xi em Moscou.

Björn Alexander Düben, especialista em relações Rússia-China da universidade Forward College Berlin, vê a visita de Xi como “altamente simbólica”.

Se a aproximação entre os países já colocava Moscou à mercê de Pequim, a reorganização da ordem mundial diante das políticas protecionistas do presidente dos EUA, Donald Trump, levam os laços entre os países a um novo patamar.

Embora mantenha uma postura de neutralidade na guerra, Pequim fez um acordo estratégico com o Kremlin para comprar petróleo e gás russos com desconto, enquanto os países europeus reduziam suas importações desses recursos.

Hoje, a Rússia é a principal fornecedora de petróleo bruto do país asiático, respondendo por cerca de 20% das importações. Desde o início da guerra, as exportações gerais russas para Pequim dispararam 63% e as sanções ocidentais impulsionaram a moeda chinesa.

Os dois países também fortaleceram os laços militares, intensificando exercícios conjuntos e compartilhando tecnologias de defesa de ponta.

Apesar de a economia russa ter resistido mais do que o esperado às sanções ocidentais, sem o apoio econômico da China, Moscou estaria em uma “bagunça profunda”, disse Düben à DW.

Assimetria econômica

Além do aumento no comércio de energia, a China tem fornecido à Rússia bens manufaturados e tecnologias — tanto civis quanto militares — que o país não consegue mais produzir ou importar do Ocidente.

A China também está investindo em tecnologias futuras, como inteligência artificial e manufatura inteligente, enquanto o crescimento da Rússia ainda é alimentado pelo setor de defesa e matérias-primas. As sanções ocidentais também diminuíram sua atratividade como parceiro comercial para países do mundo todo.

“A Rússia ainda é um ator bastante isolado no cenário internacional e precisa da China para manter seu esforço de guerra contra a Ucrânia”, afirmou Alicja Bachulska, pesquisadora do Conselho Europeu de Relações Exteriores (ECFR), à DW.

Para Bachulska, apesar da disparidade econômica, há uma “confiança estratégica” entre China e Rússia que, segundo ela, é “muito mais forte” do que a relação entre Putin e Trump, cuja equipe atualmente negocia um possível fim para a guerra na Ucrânia.

Uma das intenções de Trump ao impor novas tarifas sobre produtos chineses era pressionar Pequim e isolá-la diante de Washington e do restante do mundo. Mas a China reagiu, alertando países que correm para fechar acordos comerciais com os EUA a não minarem os interesses chineses.

Em sua relação com Washington, Pequim tem sido desafiadora, mas estratégica. “[Ao responder a Trump,] a China está se posicionando como um contrapeso estável a um EUA errático e protecionista, destacando sua aliança com Moscou como um alicerce de estabilidade global”, concordou Björn Düben.

Neste domingo (11/05), Washington e Pequim avançaram no sentido de um novo acordo comercial, segundo autoridades americanas.

Sanções secundárias dos EUA atrapalham comércio

Com as tarifas americanas sobre produtos chineses atingindo níveis recordes e o mercado dos EUA cada vez mais fechado, empresas chinesas podem buscar novas oportunidades no mercado russo — embora seja menor que o americano.

Mas elas precisam contornar as sanções secundárias dos EUA contra Moscou, que proíbem empresas de países terceiros de exportarem para a Rússia. Isso fez com que muitos bancos chineses ficassem receosos de negociar com instituições russas.

“Essas sanções secundárias têm sido um grande entrave para a relação econômica entre China e Rússia e um obstáculo real para a expansão do comércio”, afirmou Düben. “Mas, à medida que o comércio com os EUA se torna menos vantajoso para a China, bancos e empresas chinesas podem começar a ignorar as ameaças de sanções dos EUA em suas transações com empresas russas.”

No início do ano, essas sanções chegaram a interromper temporariamente as exportações de petróleo da Rússia para a China, quando o Departamento do Tesouro dos EUA sancionou 183 navios, duas grandes petrolíferas russas e empresas relacionadas.

A ofensiva causou uma queda de 18% nas exportações russas de petróleo bruto para a China em fevereiro. Ainda assim, com uma solução alternativa envolvendo navios substitutos e novos sistemas de pagamento, a “frota fantasma” da Rússia conseguiu manter o fluxo comercial com o país asiático.

Gasoduto Sibéria 2 em “fase ativa”

Um dos principais pontos das conversas entre Putin e Xi é o projeto do gasoduto Sibéria 2, que promete levar 50 bilhões de metros cúbicos de gás russo por ano de Yamal, no noroeste da Sibéria, até a China via Mongólia.

Moscou tem pressionado Pequim há anos para fechar o projeto, mas a rota do gasoduto ainda não está definida — o que evidencia a vantagem dos asiáticos nas negociações. O ministro da Energia da Rússia, Sergey Tsivilyov, afirmou na última quinta-feira que as negociações estão em uma “fase ativa”, embora um acordo ainda não tenha sido fechado.

Para Bachulska, do ECFR, o projeto perdeu força. Ela observa que “a China tem diversificado suas fontes de energia e não quer apostar demais em um único fornecedor”.

Essa relação desigual revela a perda de influência da Rússia dentro da parceria liderada por Pequim, consolidando a posição dominante da China à medida que Moscou se alinha aos seus interesses globais.

“Dada a dependência sem precedentes da Rússia em relação à China, Moscou está cada vez mais atrelada aos interesses de Pequim”, concluiu Düben.

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