STF não pode anular decisão da Câmara pró-Ramagem, diz Bolsonaro

Bolsonaro ainda defendeu que a sustação da ação penal seja estendida a ele, já que o processo no STF é um sóNelson Jr./SCO/STF

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) defendeu a suspensão da ação penal em curso no Supremo Tribunal Federal (STF) contra o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ).

Em mensagem enviada pelo WhatsApp, ele alegou que a Corte não pode anular a decisão da Câmara dos Deputados, que aprovou a suspensão integral do processo que tem o parlamentar como réu por tentativa de golpe de Estado e outros quatro crimes. 

Bolsonaro argumentou que o STF não tem respaldo legal para anular a sustação da ação penal e citou trecho do artigo 97 da Constituição Federal (CF), que diz que “somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público”. 

O dispositivo em questão trata da chamada Cláusula de Reserva de Plenário e estabelece que apenas o plenário do tribunal, formado pelo conjunto de todos os desembargadores ou ministros, ou o órgão especial — que desempenha a mesma função do plenário nos casos em que o tribunal possui muitos membros —, pode declarar que uma lei ou ato normativo é inconstitucional.

Essa regra impede que uma turma ou câmara do tribunal, que são formados por grupos menores de juízes e são chamadas de órgãos fracionários, anulem leis ou normas por conta própria. Isso vale, por exemplo, para anular uma lei aprovada pelo Congresso por ser inconstitucional. 

Entretanto, segundo especialistas em Direito Constitucional, esse artigo da Constituição não pode ser aplicado em caso de sustação de ação penal, isso porque a decisão da Câmara se trata de um ato político-administrativo ligado à prerrogativa parlamentar e não de uma lei ou ato normativo. Além disso, o conjunto dos ministros que integram a Primeira Turma representa, na prática, a maioria absoluta do STF, conforme prevê o artigo 97 da CF. 

“Ao invocar esse artigo no caso do Deputado Ramagem, o ex-presidente Jair Bolsonaro incorre em equívoco. Isso porque a maioria dos ministros da Primeira Turma do STF — órgão competente para o julgamento — representa, sim, a maioria absoluta exigida para a deliberação, não havendo, portanto, violação à cláusula do artigo 97”, explicou Maria Dulce Freire, advogada especialista em Direito Eleitoral e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), em entrevista ao Portal iG.

Contato com Hugo Motta

Bolsonaro afirmou, nesta quarta-feira (14), manter contato com o presidente da Câmara, Hugo Motta, principalmente por mensagens no WhatsApp. O ex-presidente afirmou que encaminhou ao deputado o artigo 97 da Constituição, como uma forma de dar embasamento ao parlamento para recorrer da decisão do STF de acatar parcialmente a sustação da ação contra Ramagem, aprovada pelos parlamentares. 

“Eu mando algumas mensagens para ele, como o artigo 97 da Constituição Federal. Algumas informações eu mando para ele. Mas é coisa rara nós conversarmos pelo telefone, já estive pessoalmente duas vezes com ele, entendo a situação dele, quero o melhor dele”, revelou Bolsonaro, em entrevista ao UOL.

O ex-presidente reforçou o entendimento de que o plenário do STF deveria deliberar sobre a sustação, não apenas a Primeira Turma, como ocorreu. “O que diz o artigo 97, da Constituição, é que a decisão para tornar algo inconstitucional é do pleno. Quem deveria decidir se é inconstitucional o que a Câmara votou é o plenário, são os 11 ministros, e não cinco apenas”, alegou.

Bolsonaro ainda defendeu que a sustação da ação penal seja estendida a ele, o que pausaria o julgamento no STF sobre sua participação nos acontecimentos que levaram aos atos do dia 8 de janeiro de 2023

“Eu estou no Supremo por conta do Ramagem. Botaram o Ramagem lá para todo mundo ir atrás e, agora, quando a Câmara decide, que ainda tem o recurso do Hugo Motta, decide tirar o Ramagem. A primeira resposta que eu tenho da turma do STF é que, se sair, sairá só o Ramagem”, criticou Bolsonaro. 

O ex-chefe do Executivo argumentou que a sustação aprovada pela Câmara abrange toda a ação penal e que o processo é um só, onde ele, Ramagem e outras figuras da cúpula de seu governo são réus. “Mandaram suspender a ação penal. Eu estou no Supremo, juntamente com outros militares de alta patente, por causa do Ramagem”, acrescentou. 

Entenda o caso

O deputado Ramagem é o único parlamentar réu na ação penal do chamado Núcleo 1, que mira a cúpula ligada a Bolsonaro, envolvidos na trama golpista que levou aos atos do 8 de janeiro. O parlamentar foi ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) no governo do ex-presidente e teria usado o aparato público para facilitar a tentativa de golpe de Estado

Ramagem foi indiciado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) como um dos integrantes do “núcleo crucial” da trama por ter prestado suporte técnico, elaborando documentos para subsidiar ações de desinformação, especialmente em relação à segurança do sistema de votação eletrônico e à legitimidade das instituições responsáveis pelo processo eleitoral de 2022. 

Esta mesma ação engloba outros acusados, entre eles o ex-presidente Bolsonaro, generais como Augusto Heleno e Walter Braga Netto e o ex-diretor da Polícia Rodoviária Federal, (PRF) Silvinei Vasques. 

Por abranger um parlamentar que está amparado pela imunidade por prerrogativa de função, na última quarta-feira (7), a Câmara dos Deputados aprovou a sustação da ação penal que tem Ramagem, e outros, como réu. O texto aprovado prevê que será “sustado o andamento da ação penal contida na Petição 12.100, em curso no STF, em relação a todos os crimes imputados”.

A suspensão do processo foi aprovada em plenário por 315 votos favoráveis, 143 contrários e quatro abstenções. Com isso, o STF fica impedido de julgar Ramagem até o fim de seu mandato, em 2026. Entretanto, o regimento interno da Suprema Corte estabelece que decisões dessa natureza devem ser analisadas pela turma responsável pelo andamento do processo, que decidirá se acata ou não a medida. 

Nesse sentido, a Primeira Turma do STF se reuniu para avaliar a sustação e optou, por unanimidade, acatar parcialmente a decisão da Câmara. Os ministros entenderam que somente as acusações referentes aos crimes cometidos após a diplomação de Ramagem como deputado poderiam ser suspensas, já que, antes disso, ele não estava protegido pela imunidade parlamentar.

Assim, ficou suspenso, até 2026, o julgamento de dois dos cinco crimes pelos quais Ramagem é acusado. Ou seja, ação referente ao dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado foi sustada, mas os ministros darão prosseguimentos às acusações de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado.

A decisão do STF incomodou os deputados de oposição, que são favoráveis à sustação do processo. Por isso, Motta recorreu à Suprema Corte e protocolou uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF). 

No documento, o presidente da Câmara pede a suspensão da decisão do STF que manteve parcialmente a ação e, com isso, que a sustação do processo seja aplicada integralmente. Assim, passaria a valer a medida aprovada pelo parlamento e ficaria pausado o julgamento contra Ramagem até 2026. 

Caso o STF não atenda a esse pedido, Motta solicitou que a análise sobre a constitucionalidade da resolução da Câmara seja levada ao Plenário do STF, não ficando restrita à Primeira Turma. Para isso, o presidente da Casa Baixa citou o artigo 97 da Constituição e alegou que a Turma, ao restringir os efeitos da sustação, fez um juízo de inconstitucionalidade parcial, o que só poderia ser feito pelo plenário da Corte, conforme exige o referido dispositivo constitucional. 

“Embora a decisão [do STF] tenha sido formalmente estruturada sob o argumento de interpretação ao art. 53 da CF, não se pode perder de vista que, ao delimitar o alcance da resolução e excluir parte de sua validade/efeitos pretendidos, a Turma, na prática, atuou em juízo de inconstitucionalidade parcial do ato normativo, o que, sob a ótica da dogmática constitucional, configura inequívoca afronta ao art. 97 da CF”, argumentou. 

Entretanto, na visão da especialista Maria Dulce Freire, diante do cenário, a probabilidade de que o STF atenda aos pedidos de Motta é baixa. “A interposição de uma ADPF contra o prosseguimento da ação penal configura uma tentativa de contestar a decisão judicial por vias excepcionais e com baixa probabilidade de sucesso”, avaliou.

“A resolução desse impasse entre o STF e a Câmara dos Deputados tende a depender menos da via judicial e mais de um diálogo político-institucional entre o Supremo e o Parlamento”, concluiu a advogada. Bolsonaro, por outro lado, disse acreditar que o STF vai acatar o recurso da Câmara e suspender a ação contra Ramagem.  

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