Fortaleza 299 anos: o que os bairros revelam sobre história, progresso e futuro da capital


Fortaleza, ao completar 299 anos, combina história e modernidade, com o Centro preservando o passado e bairros como Aldeota e Meireles representando o progresso, enquanto a periferia mantém forte a cultura local. Bairros de Fortaleza contam as histórias dos 299 anos da capital do Ceará
Fortaleza, a capital do Ceará, celebra 299 anos neste domingo (13), data que marca uma trajetória de crescimento e transformação. Ao longo dos séculos, a cidade se desenvolveu de maneiras diversas, criando bairros com identidades únicas que refletem a história, o progresso e o futuro da capital.
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Os bairros mais antigos, como o Centro, preservam vestígios históricos da cidade. Por outro lado, áreas como Aldeota e Meireles simbolizam para alguns o progresso e a modernidade, com seus arranha-céus, shoppings e atrações turísticas. Contudo, não são apenas as zonas centrais que contam a história de Fortaleza. A periferia também tem um papel essencial na identidade da cidade, com uma rica cultura e conexão profunda com o passado, apesar dos desafios de infraestrutura.
Ao explorar os bairros de Fortaleza, é possível perceber como a cidade está em constante evolução, refletindo não apenas o crescimento urbano, mas também as transformações culturais, sociais e econômicas que moldam o presente e o futuro.
Da Barra do Ceará a Messejana: O Passado de Fortaleza
Marco Zero de Fortaleza está localizado no bairro Bom Jardim.
Natinho Rodrigues/SVM
A origem de Fortaleza remonta ao período colonial. Embora a data oficial de fundação seja 13 de abril de 1726, com a criação da vila em torno da Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção, já existiam núcleos de povoamento em outras áreas, como a Barra do Ceará, onde foi construído, em 1604, o Forte de Santiago. Esse local é considerado o marco zero da cidade, e na Praça do Santiago, um monumento simboliza e preserva a memória do passado nos dias atuais.
A Messejana, fundada em 1663 como Aldeia de São Sebastião da Paupina, também é um exemplo de como várias áreas de Fortaleza têm histórias anteriores à data tradicional de fundação. Em 1760, foi elevada à categoria de Vila Nova Real de Messejana da América. Além disso, a região foi berço do escritor José de Alencar, cuja casa histórica permanece preservada, assim como a Lagoa da Messejana, que abriga a famosa estátua de Iracema.
Estátua de Iracema, na Lagoa da Messejana, em Fortaleza.
Beatriz Boblitz/Prefeitura de Fortaleza/Reprodução
O professor do curso de História da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Gleudson Passos, também destaca que a Messejana, assim como a Parangaba, tinha forte presença dos povos originários desde meados do século XVIII.
Lamentavelmente é uma presença invisibilizada por conta desse processo colonial, processo civilizador que foi pouco a pouco miscigenando sem preservar as origens dos nossos povos nativos aqui no Ceará.
O século XIX marcou a valorização das áreas nobres da cidade, como Praia de Iracema, Meireles, Aldeota e Papicu, que ganharam destaque com os projetos urbanos de Silva Paulet e Adolfo Herbster, aponta o historiador Sebastião Ponte. Essas regiões ajudaram a definir o panorama urbano de Fortaleza.
A antiga Beira Mar de Fortaleza era concentrada na região onde o Iracema Plaza foi construído.
Arquivo Nirez
“Com o aumento da exportação do algodão pelo porto de Fortaleza, houve investimento em equipamentos e serviços urbanos modernos na cidade, como a construção de mansões, palacetes e do Passeio Público, calçamento de ruas, instalação de bondes, telefone, telégrafo, iluminação a gás, mercado de ferro importado da Europa, além do advento de clubes, academias de saber e agremiações literárias e artísticas. A área mais beneficiada com essas mudanças foi o centro da cidade, onde estavam as residências das elites e classes médias, o comércio e instituições públicas e privadas. O único bairro a se destacar nesse período foi o Benfica, onde foram construídos casarões e chácaras. As camadas populares habitam os arrabaldes que circundavam o perímetro central de Fortaleza”, destaca.
Nas primeiras décadas do século XX, Fortaleza experimentou uma intensa modernização com a introdução da iluminação elétrica, o bonde elétrico, o automóvel e o cinema, além da construção do Theatro José de Alencar. Para Sebastião, o período reflete uma fase de valorização estética e cultural. “Nesse período ocorre uma febre de afrancesamento que se dissemina nos comportamentos, nas modas e lojas da cidade”, afirma.
Até 1950, a Praça do Ferreira ainda era o ponto mais importante de Fortaleza
IBGE
Ao mesmo tempo, o crescimento da cidade foi impulsionado por um intenso fluxo migratório do campo para a capital, especialmente durante períodos de seca.
“Não só a população urbana aumenta, como também cresce o contingente de pobres, mendigos e desempregados que vão formando os subúrbios e bairros populares da capital. As desigualdades sociais tornam-se mais intensas e, à medida que a cidade se expande, torna-se clara a organização do espaço urbano entre áreas nobres – o centro, Benfica, o bairro de Jacarecanga, Praia de Iracema e Aldeota – e bairros populares que se formaram à oeste e sul da capital”, evidencia.
Da Aldeota ao Bom Jardim: Fortaleza hoje
Prédios com até 160 metros de altura são construídos na orla de Fortaleza
Fabiane de Paula/SVM
Ao falarmos sobre a Fortaleza atual, há diversos aspectos a serem analisados, como saúde, mobilidade urbana, desenvolvimento econômico, entre outros. No entanto, independentemente do ponto de vista adotado, a Fortaleza vivida nas “áreas nobres” é bem diferente daquela que se encontra na periferia.
A Fortaleza da Aldeota, do Meireles e do Mucuripe reflete modernidade e privilégio. Nesses bairros, os chamados “superprédios”, com alturas que variam de 120 a 160 metros, ganham cada vez mais espaço. Essas regiões, além de serem focos para o crescimento de construções residenciais, também atraem os milhões de turistas que visitam a capital anualmente.
Em 2022, as obras de requalificação da nova Beira-Mar foram entregues após quase quatro anos e investimentos de R$ 120 milhões. Hoje, o espaço conta com nova pavimentação e iluminação, Feirinha de Artesanato, quiosques gastronômicos, via paisagística com ciclovia, pista de cooper e equipamentos esportivos e de lazer, como anfiteatro, skatepark, quadras poliesportiva e de areia, academia ao ar livre e estação de bicicletas, o Bicicletar.
Contudo, os contrastes sociais ainda são visíveis. O professor do Programa de Pós-Graduação em Avaliação de Políticas Públicas, Julio Alfredo Racchumi Romero, aponta a saúde como um dos principais desafios de capital. Exemplo disso, é o Hospital Instituto Dr. José Frota (IJF), localizado no Centro da cidade, que enfrenta reivindicações em relação a salários, medicamentos e segurança.
“Assim como existe essas reivindicações no IJF, também devem existir em outras redes e que a gente percebe também, devido a demanda da população que é alta, e a oferta às vezes não cobre toda essa demanda, com falta de coisas básicas, por exemplo, como medicamentos, insumos, equipamentos”, aponta.
A segurança é outro tema que gera preocupações. “A violência é recorrente. A gente tem altos índices de violência a nível nacional”, pontua o professor. Segundo o Atlas da Violência 2024, um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), Fortaleza é a quinta capital mais violenta do Brasil.
O cenário fica ainda mais evidente na periferia. Uma facção criminosa tem cobrado taxas para autorizar provedoras de internet a ofertar serviços no bairro Pirambu e promove ações de retaliação contra as empresas que recusam pagar a “taxa”. Entre os ataques estão incêndios a carros das empresas, tiros disparados contra a fachada, vandalismo na sede das provedoras e rompimento de cabos de fibra óptica.
O confronto entre os grupos criminosos também gera insegurança para os moradores. Em fevereiro, um ataque a tiros na Comunidade da Rosalina, motivado por guerra entre facções criminosas, deixou três mortos, entre eles, uma criança de 11 anos.
Apesar dos desafios enfrentados na periferia, é fundamental reconhecer a potência cultural que esses bairros possuem. Muitas vezes invisibilizados ou estigmatizados, os bairros periféricos são centros de manifestações artísticas, tradições e resistência, como aponta Gleudson Passos.
Os bairros de Fortaleza são polos de riqueza da cidade, principalmente os bairros da periferia.
Para Gleudson, identificar os polos de cultura que existem nos bairros é essencial, especialmente para a atividade turística. “Se você vai em qualquer cidade no mundo afora, o turista vai para bairros, inclusive, da periferia, para poder conhecer um pouco da cidade, fora do circuito turístico convencional”, destaca.
Centro Cultural Bom Jardim oferece programação diversa no bairro.
Ismael Soares/SVM
O professor destaca algumas manifestações culturais presentes nesses bairros, como:
Barra do Ceará: Além do resgate a memória colonial, o bairro apresenta o encontro do Rio Ceará com o mar, passeio de barco, polo gastronômico e prática de atividades físicas.
Parangaba: A procissão Bom Jesus do Caboclinho, manifestação cultural religiosa, e a Feira da Parangaba, são algumas das opções que podem ser exploradas.
João XXIII: Festival de quadrilhas juninas e festa de São Pedro.
Messejana: Feira da Messejana, Lagoa da Messejana e Casa de José de Alencar.
Bom Jardim: Mais de 500 terreiros de Umbanda foram mapeados na região e, para o professor, as crenças afro e o catolicismo popular estão muito presente nos terreiros, criando uma cultura híbrida na periferia.
Revitalização e Sustentabilidade: o futuro de Fortaleza
Parque Ecológico do Cocó é área de preservação permanente
Governo do Estado/Divulgação
Pensar no futuro de Fortaleza exige não só um olhar sobre os avanços urbanos, mas também sobre a preservação do que já existe. A revitalização do Centro da cidade, com propostas para a Praça do Ferreira e a Avenida Monsenhor Tabosa, promete dar nova vida a áreas históricas e fortalecer a economia local.
“A Praça do Ferreira é um dos principais patrimônios histórico-culturais de nossa cidade. Infelizmente, hoje ela abriga diversas pessoas em situação de rua, e não podemos iniciar uma requalificação sem planejar o acolhimento adequado dessas pessoas. Comprometo-me a começar as obras até 30 de junho. Essa intervenção é necessária e será conduzida com seriedade, pois precisamos enfrentar os contrastes sociais e econômicos que afetam nossa cidade”, disse o prefeito Evandro Leitão no início de 2025.
Praça do Ferreira está localizada no Centro de Fortaleza
Reprodução
Outro projeto em destaque é a requalificação da Avenida Monsenhor Tabosa, que, no passado, foi um importante polo comercial, mas hoje enfrenta o fechamento de diversos estabelecimentos. A proposta da Prefeitura é transformar a avenida em uma rua coberta, com comércio funcionando 24 horas, estimulando não só lojas, mas também bares e restaurantes, principalmente à noite.
Para Romero, além de repensar a requalificação do Centro, é fundamental também buscar alternativas para melhorar o acesso.
Reabilitar os espaços públicos como o centro histórico é importante, mas, por exemplo, você tem que pensar em um plano de reabilitar o centro histórico e também criar vias de acesso, um transporte público adequado, vias adequadas. Você reabilita os grandes pontos turísticos, os grandes pontos culturais, mas você também tem que criar vias.
Questões ambientais também ganham relevância, como o veto ao projeto de flexibilização da ocupação urbana no Parque do Cocó, uma das áreas verdes mais importantes da cidade. Em 2024, o projeto de lei nº 19/2024, que visava a flexibilização das regras de ocupação urbana em uma área verde de 11,4 hectares no Parque do Cocó, no bairro Manuel Dias Branco, gerou preocupações.
A proposta, que visava alterar a classificação da região, foi criticada por poder comprometer a preservação do ecossistema local, tornando a área mais vulnerável à especulação imobiliária e à perda de sua função ambiental e de lazer para os fortalezenses.
O Parque do Cocó, além de ser uma área de preservação, também oferece opções de lazer para a população.
Fabiane de Paula/SVM
Outro ponto de destaque é o investimento de US$ 12 milhões em um projeto de arborização para Fortaleza, parte de um financiamento maior com o Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF), que visa tornar a cidade mais verde e sustentável.
Com base na análise de indicadores, Romero pontua que Fortaleza ainda tem muito o que progredir no âmbito da sustentabilidade. Um índice chamado IDS 100, que foi inspirado nos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que permite uma análise detalhada sobre o progresso das cidades em direção aos ODS.
O índice de Fortaleza é de 47,12 pontos, o que coloca a cidade em uma posição intermediária em comparação com outras cidades, considerando que o índice máximo é 100 pontos. Isso indica que a Capital ainda tem um longo caminho a percorrer para alcançar um progresso significativo em relação aos ODS.
A descentralização dos serviços públicos também é essencial para o desenvolvimento equilibrado da capital. Iniciativas como o Vetmóvel, a ampliação da vacinação, eventos culturais descentralizados e a expansão no atendimento de órgãos públicos como a Etufor e o Procon são passos importantes para levar serviços essenciais aos bairros mais distantes.
“Para a gente falar dessa questão de sustentabilidade, de questões ambientais, desse desenvolvimento sustentável das cidades, a gente primeiro precisa falar das discrepâncias que a gente tem. A gente infelizmente ainda tem muita desigualdade dentro das cidades urbanas”, destaca o professor.
Ao completar 299 anos, Fortaleza se apresenta como uma cidade cheia de contrastes, mas também de potencial para enfrentar os desafios do presente e se reinventar para o futuro.
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