Os Fuzis e o Crime Organizado no Rio de Janeiro

Jornalista Ricardo Pereira
do Site Assuntos Militares
Especialista em Conflitos Urbanos
Especial para DefesaNet
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Quando, em janeiro de 2025, a Secretaria de Polícia Militar (SEPM) do Estado do Rio de Janeiro liberou a informação de que seus Batalhões de Polícia Militar haviam apreendido, durante 2024, um total de 638 fuzis, ficou mais uma vez revelada, sem nenhuma margem para dúvida, que no RJ está em curso uma guerra aberta que, num complexo cenário, envolve vários grupos de beligerantes.

De um lado, as Polícias Militar e Civil (os únicos grupos combatentes que legalmente estão autorizado a portar armas de fogo), e de outro o chamado Crime Organizado (CO), que engloba as diferentes facções de traficantes e de milícia. A situação se complica ainda mais quando se considera o permanente conflito existente entre traficantes e milicianos, e até mesmo entre os diferentes subgrupos dentro desses dois agrupamentos criminosos, sempre buscando o domínio de território.

Aliás, vale a pena observar que o tráfico e a milícia buscam sempre obter o pleno domínio de território, através de uma ocupação permanente, enquanto as Polícias, via de regra, executam incursões com objetivos específicos (como, por exemplo, cumprir mandados de prisão de indivíduos específicos) e curta duração. Cabe também esclarecer que as Unidades de Polícia Pacificadora (UPP), presentes no interior de diversas comunidades, não podem ser consideradas como forças de ocupação no sentido pleno da palavra, pois seus efetivos são claramente insuficientes para preencher tal objetivo.

Voltando ao tema principal: fuzis na mão de criminosos não são coisa nova no Rio de Janeiro, pois em 1986-1987 já foram registradas as primeiras apreensões pelas forças de segurança pública. Por outro lado, as primeiras compras de fuzis para as Polícias Militar e Civil do RJ só aconteceram em 2000, sendo essa mais uma informação que é “ignorada” pela maioria dos órgãos de imprensa.

Mas para se ter uma melhor ideia do significado da quantidade de fuzis apreendida no ano que se findou é importante frisar que, anteriormente, o recorde de apreensões desse tipo de armamento pela PMERJ (considerando a série histórica, iniciada em 2007) havia sido registrado em 2019, quando 505 dessas armas foram retiradas de circulação pela corporação. Em 2023 foram capturados 492 fuzis, uma quantidade que empalidece em comparação com o número de 2024.

Os resultados obtidos por alguns Batalhões específicos em 2024 são dignos de nota; o recordista foi o 41º BPM, que em 2024 retirou 104 fuzis das mãos dos criminosos, seguindo-se o Batalhão de Operações Policiais Especiais – BOPE (66), o 14º BPM (58), o 15º BPM (51), o 18º BPM (50), o 20º BPM (32), o 39º BPM (30), o 9º BPM (27), o 21º BPM (27), o 16º BPM (18), o 10º BPM (14).

Geograficamente, essas apreensões estão concentradas nas Áreas Integradas de Segurança Pública de regiões onde há disputa territorial entre facções criminosas rivais, como as áreas do Complexo do Chapadão, Vila Kennedy, Jacarepaguá e Campinho, todos bairros da Cidade ex-Maravilhosa.

Um levantamento realizado pala Subsecretaria de Inteligência (SSI) da SEPM aponta que, entre os fuzis apreendidos no período, menos de 5% eram nacionais, 50% eram da Colt e 30% não tinham marca definida, tendo entrado no país ou no estado sob a forma de peças separadas, e sendo montadas por armeiros que trabalham para o CO.

Como já era de se esperar, esses fuzis são no calibre 5,56mm ou 7,62mm, mas é inquietante o fato de que, ocasionalmente, têm sido capturados aos criminosos fuzis antimaterial, no calibre 12,7mm, como o Barrett .50, o conhecido M82 — armamento de grande poder, que tem capacidade para perfurar a blindagem de boa parte dos veículos empregados pelas forças de segurança pública, mormente se estiver sendo empregada munição perfurante.

Mas se os leitores já ficaram boquiabertos, o cenário fica pior ainda quando aos se somam os fuzis apreendidos pela Polícia Civil, pois então o total passará de 638 para estonteantes 732 fuzis, ou seja, dois por dia! Essa informação vem de um levantamento do Instituto de Segurança Pública (ISP), feito com base nos Registros de Ocorrência (RO) lavrados nas delegacias de Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro durante o ano passado. E a real medida da gravidade da situação atinge seu ponto mais alto se considerarmos que esses números são apenas a ponta de um gigantesco iceberg que, apesar dos esforços das forças da Lei, cresce contínua e diariamente. Ignora-se em quanto tempo perdas como essas são compensadas pelo CO, mas pode-se deduzir que não é muito longo, pois não há indicações de que as apreensões tenham feito arrefecer as atividades nefastas do CO.

Na contramão do bom senso está o fato de que as forças de segurança pública são invariavelmente apontadas na imprensa como responsáveis por toda e qualquer “bala perdida” que acaso atinja algum não combatente. A verdade, sobejamente conhecida e exaustivamente registrada em vídeos disponíveis na Internet, é que os traficantes não seguem nenhuma Regra de Engajamento, não poupam munição e atiram sem se preocupar qual o destino final dos projéteis — cujo alcance máximo, no caso dos fuzis, pode atingir centenas ou até milhares de metros.

E há que mencionar também a — no mínimo estranha — insistência com que alguns setores do Poder Judiciário se esforçam em limitar as ações policiais. Dois exemplos são a limitação pelo STF, em 2019, das incursões das forças de seguranças públicas nas comunidades onde, cada vez mais confortavelmente, se encastela o CO, e também a recente portaria assinada pelo Ministro da Justiça, que colocou limites mais exíguos ainda para as abordagens e para o emprego de armas de fogo pelas Polícias. Verdades como o fato de que, em 2024, foi registrado o menor número de mortes por intervenção de agentes do Estado no Rio de Janeiro (699) desde 2015, e que foi 19,8% menor do que em 2023, são “inexplicavelmente” ignoradas, o que só facilita o “trabalho” das organizações criminosas e dificulta sobremaneira a tarefa das Polícias.

Mas o pior de tudo é que, a cada ano que passa, a situação se agrava mais, e mesmo a notícia da apreensão de uma quantidade tão absurda de fuzis como a anunciada para 2024 não chega a escandalizar grande parte da Sociedade, o que é assustador. Em termos de segurança pública no Estado do Rio de Janeiro, o que já estava ruim pode, sem dúvida, piorar. Prova disso foi o anúncio de que, das 410 armas de fogo apreendidas pela Polícia Militar no Estado em janeiro de 2025, 84 eram fuzis. Para efeito de comparação, basta dizer que, no mesmo período, em 2023, haviam sido apreendidas 53 dessas armas, e em janeiro de 2024 o total capturado tinha sido de 52. Até agora, o recorde de apreensões em um único mês havia sido registrado em agosto de 2024, quando 78 fuzis foram retirados de circulação… o que esperar, portanto, para o restante do corrente ano?

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