Parlamentares indicam preocupação com cassação de Glauber Braga

Como tentativa de chamar atenção para o caso, o deputado Glauber Braga iniciou uma greve de fome, que chegou ao oitavo dia nesta quinta-feira (17/4)Reprodução

Apesar de o Conselho de Ética da Câmara ter aprovado, por maioria, o pedido de cassação do deputado Glauber Braga (PSOL-RJ), parlamentares de diferentes partidos demonstram preocupação com o precedente que a eventual perda de mandato pode representar.

Diante disso, aliados do congressista articulam um recurso a ser apresentado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) até a próxima terça-feira (22), prazo final para protocolar a defesa no colegiado.

Deputados da esquerda e uma equipe de advogados articulam o recurso, para tentar reverter a decisão de cassar o mandato do congressista. Em conversa com o Portal iG, a deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP), esposa de Glauber Braga, afirmou que a definição do partido é apresentar a defesa ao final do prazo máximo e que o parlamentar tem recebido visitas de representantes de diversos partidos. 

“Muitos parlamentares têm nos dito que acham, sim, uma votação injusta, desproporcional, um precedente perigoso para todos os deputados e para democracia, e que, portanto, não querem votar a favor. Glauber inclusive recebeu visitas de parlamentares do Centrão nos últimos dias. Parlamentares do MDB,  PP e PL, além do PT, PCdoB, PDT, de movimentos sociais, entidades, artistas, juristas e lideranças religiosas”, contou Sâmia Bomfim ao iG

Para efetivar a cassação do mandato, a Câmara precisa aprovar, em Plenário, o pedido. São necessários 257 votos favoráveis, que representa a maioria absoluta da Casa. Antes disso, Glauber Braga tem direito a uma defesa, que deve ser apresentada na Comissão de Constituição e Justiça e votada pelo colegiado. 

Depois que a equipe do deputado protocolar o recurso junto à CCJC, o presidente da Comissão, deputado Paulo Azi (UNIÃO-BA), tem o prazo de três sessões para definir o relator e, então, votar. Caso a defesa seja aceita, o pedido de cassação volta ao Conselho de Ética, que deve designar um novo relator ou um novo relatório. 

Se o recurso for recusado pela CCJC, o caso vai direto à votação no Plenário, onde o pedido de cassação deve reunir 257 apoiadores para ser efetivado. Mesmo com o otimismo da esquerda, o cenário é de incerteza. Isso porque, segundo dizem os parlamentares, a perda do mandato de Glauber Braga tem uma motivação política, causada por atritos entre o deputado e o ex-presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). 

“Todo mundo aqui na Câmara sabe que quem está por trás desse pedido de cassação é o [Arthur] Lira. Qualquer parlamentar, de qualquer bancada, qualquer pessoa sabe, porque o Lira, inclusive, uma vez no plenário disse explicitamente que gostaria de ver o Glauber fora”, afirmou a deputada Sâmia Bomfim. 

Essa rivalidade foi causada, principalmente, por acusações envolvendo o Orçamento Secreto, feitas por Glauber e pelo PSOL contra Lira. “Não é só uma questão de briga pessoal, mas é, sobretudo, do Orçamento Secreto. O Glauber foi uma das principais vozes a denunciar esse modelo de emendas sem nenhum tipo de rastreabilidade e transparência”, acrescentou Sâmia.

Lira, por outro lado, diz que não tem qualquer envolvimento com a cassação. Em nota enviada ao iG, o ex-presidente da Câmara negou as acusações. “De minha parte, refuto veementemente mais essa acusação ilegítima por parte do Deputado Glauber Braga e ressalto que qualquer insinuação da prática de irregularidades, descasada de elemento concreto de prova que a sustente, dará ensejo à adoção das medidas judiciais cabíveis”, assegurou. 

Especialistas apontam inconsistências

Advogados e cientista político ouvidos pelo iG reconhecem que a postura de Glauber Braga ao expulsar da Câmara, a chutes e empurrões, o integrante do Movimento Brasil Livre (MBL), Gabriel Costenaro, não foi correta. Por outro lado, o episódio não seria motivo suficiente para causar a perda do mandato, já que o regimento da Casa Baixa prevê outras penalidades como advertências ou suspensão temporária. 

“Não vejo como sendo motivo suficiente. Eu não sou um admirador da figura do deputado e da sua forma de atuação, nem das ideias que ele propaga, mas isso não deve interferir em uma análise jurídica. Precisamos, antes de qualquer coisa, ter em conta que Glauber Braga foi eleito pelo voto popular, e com expressiva margem de votos por parte do eleitorado do Rio de Janeiro. A soberania popular não pode ser descartada assim ao bel-prazer de uma maioria de ocasião”, apontou Guilherme Barcelos, advogado eleitoralista e sócio do Barcelos Alarcon Advogados. 

Para o especialista, a soberania popular deve ser considerada nesse processo. “O fato em si, que ensejaria uma hipótese de quebra de decoro parlamentar, embora reprovável, afinal, as coisas não se resolvem na base dos pontapés, não me parece contar com essa gravidade toda a ponto de ensejar a cassação em questão. Há outras sanções, aliás, que poderiam estar mais coadunas com a gravidade da situação, como advertência ou mesmo suspensão temporária. Cassação, até mesmo por conta dos seus efeitos reflexos, como a inelegibilidade daí decorrente, é medida adequada para casos extremos, efetivamente graves”, destacou Barcelos. 

Essa discrepância entre o fato ocorrido e a penalidade que se encaminha para ser aplicada, revela, na visão do cientista político Sérgio Praça, o interesse político por trás da perda de mandato de Glauber Braga.

“A cassação do deputado é uma retaliação por conta do comportamento dele e do PSOL, de modo geral, em relação aos desmandos orçamentários chamados de Orçamento Secreto, que são esquemas de corrupção. O trabalho do STF na tentativa de trazer mais transparência para esses repasses de verba foi muito ajudado pelo partido, uma vez que foi uma ação dele que motivou todo o trabalho realizado pelo ministro Flávio Dino”, explicou. 

O PSOL foi um dos partidos que recorreu ao Supremo Tribunal Federal, em 2022, para questionar o Orçamento Secreto. À época, junto com o Cidadania, o PSB e o Partido Verde, a sigla apontou possível ilegalidade na distribuição das verbas, com base na não identificação dos proponentes das emendas e na falta de critérios sócio-econômicos na sua destinação. 

Como resultado dessa ação, o STF considerou o Orçamento Secreto inconstitucional. Dentre outras medidas, o Supremo determinou que todas as áreas orçamentárias e os órgãos da administração pública que empenharam, pagaram e liquidaram despesas por meio dessas emendas, nos exercícios financeiros de 2020 a 2022, deveriam publicar os dados referentes aos serviços, obras e compras realizadas.

Dois anos após a decisão do STF, a Corte voltou a discutir a falta de transparência na destinação das emendas do relator. A retomada do debate foi motivada por discursos feitos por Glauber Braga no Plenário da Câmara, nos quais acusava o então presidente da Casa, Arthur Lira, de aproveitar desse mecanismo para obter poder e vantagens políticas. 

Com isso, o ministro Flávio Dino, que ocupou a vaga deixada pela ministra aposentada Rosa Weber — relatora das Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs) que resultaram na inconstitucionalidade do Orçamento Secreto —, determinou a abertura de investigação pela Polícia Federal para apurar a atuação de Lira e de outros parlamentares em uma manobra que visava liberar R$ 4,2 bilhões em emendas. 

Nesse novo episódio, Dino determinou que o Congresso criasse mecanismos para conferir mais transparência às destinações advindas do Orçamento Secreto. Entretanto, as rusgas entre Glauber e Lira não acabaram, já que o deputado continuou a denunciar as manobras envolvendo essas emendas.

“Esse trabalho do Dino, iniciado com a decisão do STF ainda em 2022, tem implicações muito negativas para muitos parlamentares. Então me parece que, realmente, não há boa vontade nenhuma para com o Glauber Braga e isso, provavelmente, vai ser essencial para sua cassação”, opinou Praça. 

O cientista político e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), Tiago Valenciano, compartilha dessa mesma análise. Para ele, não há indícios técnicos que justifiquem uma cassação de Glauber.

“Esse tipo de trâmite, como o processo de cassação, depende muito mais das intenções políticas por trás do pedido do que, necessariamente, do tempo, do regimento interno da Câmara ou de todas as leis que possam regulamentar um processo como esse. Obviamente, a cassação é muito mais uma questão política do que jurídica e o pedido contra o deputado Glauber caminha justamente nesse sentido”, avaliou, em entrevista ao iG

O que é Orçamento Secreto 

O Orçamento Secreto é um mecanismo que permite a destinação de verbas do orçamento público a projetos definidos por parlamentares sem a devida identificação. Ele foi criado em 2020, no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), como contrapartida política.

Com isso, o Executivo transferiu ao Congresso Nacional o poder de decidir onde aplicar a maior parte dos recursos da União. No Orçamento Secreto, não há divisão igualitária entre os congressistas na destinação das verbas, nem critérios estabelecidos para distribuição entre bancadas ou regiões do país. 

Arthur Lira foi um dos principais articuladores da prática, que resultou, entre outros fatores, no melhor relacionamento entre Bolsonaro e o Centrão. Isso permitiu uma maior governabilidade ao ex-presidente. 

Com a destinação secreta dessas verbas, diversas denúncias de corrupção surgiram, incluindo o indicativo de superfaturamento na compra de tratores, de ônibus escolares e caminhões de lixo

Em 2022, após a primeira decisão do STF sobre a inconstitucionalidade desse orçamento, a Polícia Federal realizou as primeiras prisões relacionadas a desvios dessas emendas. Outras investigações seguem em curso.

Greve de fome chega ao oitavo dia

Como tentativa de chamar atenção para essa motivação política, o deputado Glauber Braga iniciou uma greve de fome, que chegou, nesta quinta-feira (17/4), ao oitavo dia. 

De acordo com boletim desta manhã, o deputado está em boas condições de saúde. “Me sinto determinado”, afirmou Glauber. Ele está acampado no Plenário 5 da Câmara, onde funciona o Conselho de Ética, e garantiu que vai seguir no local, em greve de fome, enquanto não houver uma decisão sobre o processo. 

A médica Maria José Maninha, que acompanha o parlamentar e esteve na manhã desta quarta-feira no Plenário 5, verificou as condições de Glauber e reforçou as boas condições de saúde do parlamentar.

“Paciente com bom estado geral, um pouco ansioso, pressão arterial normal, temperatura normal. Não relata nenhum sintoma. Dormiu bem e está orientado e lúcido”, declarou. 

Essa greve de fome vem atraindo apoio da sociedade civil e de figuras influentes. A visibilidade pode ser um fator importante no processo de cassação, de forma a contribuir para reverter o quadro atual.

“O fato de ele ter iniciado uma greve de fome chama a atenção justamente porque coloca o caso em evidência, atrai cobertura da mídia e amplia o alcance da narrativa. Toda essa movimentação pode gerar desdobramentos políticos tanto para ele quanto para a esquerda e o partido ao qual pertence, nos próximos capítulos dessa história”, avaliou Tiago Valenciano, cientista político ouvido pelo iG

O que motivou o pedido de cassação 

Na quarta-feira (9), o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara aprovou, por 13 votos favoráveis e 5 contrários, o pedido de cassação do mandato de Glauber Braga. Em uma reunião tumultuada, o colegiado acatou o parecer que acusa o deputado de quebra de decoro no episódio envolvendo o integrante do Movimento Brasil Livre (MBL) Gabriel Costenaro. 

Em abril do ano passado, Glauber Braga expulsou de dentro da Câmara, a chutes e empurrões, o manifestante do MBL. A cena foi filmada e amplamente repercutida na imprensa.

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