Brasil precisa de um plano nacional de conectividade aérea

País precisa de conectividade aérea para voar mais longeReprodução/freepik

Em um país de dimensões continentais, com rodovias precárias e sem um sistema ferroviário funcional, a aviação deveria ser prioridade absoluta. No entanto, o Brasil insiste em seguir na contramão do mundo: tributa pesadamente o setor aéreo, encarece operações e mantém o país desconectado. Passou da hora de mudar de rota.

Hoje, o Brasil está entre os países que mais taxam o transporte aéreo. O combustível de aviação (QAV), que representa até 40% dos custos de uma companhia aérea, sofre incidência de ICMS em alíquotas que chegam a 25% em alguns estados, somado a PIS/Cofins e outros encargos. Essa estrutura tributária sufoca a expansão da malha, encarece as passagens e torna o setor inacessível para grande parte da população.

Ao mesmo tempo, 70% dos voos estão concentrados em apenas 10 aeroportos. Enquanto isso, mais de 400 aeroportos regionais e pequenos terminais seguem sem qualquer conexão regular. Isso significa que o país voa menos — e pior — do que poderia. A aviação é tratada como um fim em si mesma, quando deveria ser compreendida como o que ela realmente representa: um instrumento de conexão, de desenvolvimento, de produtividade nacional.

Taxar a conectividade aérea, ao mesmo tempo em que não se oferece incentivos, como fazem os Estados Unidos e os países da União Europeia, a China , ou os Emirados é um equívoco estratégico. Os EUA investem bilhões em subsídios diretos e infraestrutura aeroportuária, sobretudo para conectar cidades pequenas e médias. A Europa criou um ecossistema competitivo que viabilizou o surgimento das low cost, facilitando o deslocamento de pessoas, a integração econômica e o turismo de massa.

E o exemplo vai além do Ocidente: os Emirados Árabes Unidos, apesar de seu tamanho reduzido, transformaram-se em um dos maiores hubs aéreos do mundo. Por quê? Porque entenderam que a conectividade aérea é uma ferramenta de projeção econômica e geopolítica. As companhias aéreas do Golfo, como Emirates e Etihad, operam com apoio direto do Estado — com subsídios, infraestrutura e incentivos . O Brasil, que dobrou o número de passageiros viajando para os Emirados nos últimos 10 anos, tende a dobrar novamente nos próximos 10. E boa parte desse crescimento vem da conectividade facilitada por políticas públicas bem planejadas lá fora — e não aqui. A Arábia Saudita segue esse caminho já consolidado pela Turquia com sua Turkish Airlines .

A China é outro caso emblemático. O país fez da aviação múltiplos pilares do seu modelo de crescimento. Nos últimos anos, conectou centenas de polos industriais, tecnológicos e turísticos com uma malha aérea cada vez mais densa e eficiente. Resultado? Mais de 150 milhões de turistas estrangeiros por ano e 500 milhões de passageiros em viagens internas, dentro da própria China. A aviação se tornou, lá, uma aliada central da integração territorial e da elevação da competitividade nacional.

Em um país de dimensões continentais, com rodovias precárias e sem um sistema ferroviário funcional, a aviação deveria ser prioridade absoluta, diz Vinicius LummertzFreePik

Certa vez, perguntaram a Peter Drucker, o pai da administração moderna, o que ele achava da internet. Sua resposta foi reveladora: “Ela terá o impacto do tipo que tiveram as ferrovias na formação dos Estados Unidos, conectando o Atlântico ao Pacífico.” Ele não falava do que as ferrovias foram , mas do que elas fizeram. É exatamente isso que a aviação representa hoje para o Brasil: uma oportunidade de conectar e integrar um país continental, superando gargalos históricos de infraestrutura.

A conectividade aérea compensa a precariedade das estradas e a ausência de ferrovias. Ela deve ser vista como uma ponte aérea entre as oportunidades. E o Brasil precisa aproveitar isso para aumentar sua competitividade global, que segue estagnada há décadas. Uma das formas mais rápidas e eficientes de aumentar a produtividade nacional é expandir e democratizar a malha aérea.

Mas para isso é fundamental entender uma premissa básica: companhias aéreas são empresas privadas que não voam para destinos onde acumulam prejuízos sistemáticos, mas palavras de Alberto Fajerman da Gol . Assim como no transporte urbano por ônibus privado, sem subsídio, várias rotas deixam de existir — ou sequer são criadas. Essa lógica econômica, muitas vezes ignorada pelo setor público, explica por que centenas de cidades brasileiras seguem desconectadas da malha aérea nacional.

Precisamos de um Plano Nacional de Conectividade Aérea que envolva a redução e padronização do ICMS sobre o QAV, com contrapartidas concretas das companhias aéreas em termos de expansão de malha e promoção . É necessário estimular a entrada de novas operadoras, incluindo as low cost e companhias regionais, e investir com urgência na infraestrutura de aeroportos em cidades médias e pequenas. Além disso, é essencial criar incentivos específicos para a operação de aeronaves de 40 a 80 lugares, estimular a integração da aviação com os demais modais — como o rodoviário, ferroviário e fluvial — e promover o transporte de cargas aéreas, hoje subutilizado e fundamental para aumentar a competitividade da economia brasileira. Fortalecer os aeroportos e , a hospitalidade e o turismo de eventos são partes centrais desta cadeia de negócios que deveria florescer .

Quando atuei no governo de São Paulo no Governo João Doria e Rodrigo Garcia , como Secretário de Turismo e Viagens — e a palavra “viagens” foi incluída com esse objetivo —, reduziu-se o ICMS sobre o combustível de aviação de 25% para 12%. Não foi apenas uma medida fiscal: foi parte de uma estratégia de fomento . Em contrapartida, as companhias aéreas investiram em marketing, abriram rotas para 12 aeroportos do interior e lançaram mais de 700 novos voos semanais. Resultado? O turismo cresceu, a arrecadação subiu e a malha se expandiu. Em seguida foram privatizados 20 aeroportos. Foi um ótimo começo .

No governo Temer, como ministro do Turismo, abrimos a possibilidade de participação de capital estrangeiro em companhias aéreas com sede no Brasil. O problema naquele momento era colocar a Avianca de volta no ar . O objetivo era também atrair companhias aéreas low costs, que revolucionaram a aviação na Europa. Mas como esperar que essas empresas se instalem no Brasil se enfrentam aqui , ainda , custos e tributos ainda maiores do que nos países ricos? Porque o Brasil insiste nisso ? Low Costs em país high costs não tem como se manter .

O Chile, com população muito menor, tem 1,2 voos por habitante ao ano. O Brasil tem apenas 0,45. Mesmo com um mercado gigantesco, nossas companhias não se expandiram pela América Latina. Pelo contrário: estamos vendo empresas de fora ganharem espaço aqui, ocupando o vácuo deixado pela ausência de política pública. Se não é prova é indício , diria o juiz de plantão.

Entre algumas evoluções, tramita no Congresso uma proposta que autoriza a cabotagem aérea internacional, especialmente importante para regiões isoladas como a Amazônia. Um avião vindo da Colômbia, por exemplo, poderia voar até Manaus e de lá operar regionalmente sem passar por São Paulo. Isso reduziria custos, ampliaria a malha e atenderia aos compromissos ambientais do Brasil na COP, promovendo transporte mais eficiente e sustentável. A medida será boa e pode ser expandida para outros países , da América do Norte e da Europa – aí as chances de sucesso poderiam aumentar. De novo , para funcionar é necessário haver viabililidade econômica , e incentivos sempre que for o caso .

Já a reforma tributária em debate no Congresso, se não considerar as especificidades do setor aéreo, pode agravar ainda mais esse cenário. Ao elevar os custos das passagens, eliminar incentivos estaduais e burocratizar ainda mais a expansão do setor, ela pode comprometer a conectividade nacional e aprofundar o isolamento de regiões já marginalizadas.

Conectividade aérea não é um tema setorial. É uma estratégia nacional. É o que permitirá integrar regiões, reduzir desigualdades, impulsionar o turismo, o comércio, a indústria e os serviços. É o que fará do Brasil um país funcional e competitivo. É o que o Brasil precisa para voar mais alto — e mais longe.

Os setores da conectividade aérea — aviões, aeroportos, infraestrutura de receptivo e eventos — não devem ser objeto central de tributação, mas sim de incentivos. Quando uma cidade deixa de ter voos de 1 ou 2 horas, sendo obrigada a substituí-los por estradas precárias que exigem 10 ou 20 horas de viagem, a resposta está dada. São viagens no tempo — para o passado e para o atraso de vastas regiões do país. O contrário disso é o Brasil voar para frente com coragem de mudanças . Fazer simplesmente o que os exemplos mundo afora já fazem com sucesso. Por isso precisamos de um Plano Nacional de Conectividade Aérea .

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