Tribunal mantém condenação de delegado acusado de ligação com a FTA

Por SELES NAFES

Por unanimidade, o Tribunal de Justiça do Amapá (TJAP) manteve a condenação do delegado de polícia Sidney Leite, acusado de envolvimento com a facção Família Terror do Amapá (FTA). A decisão foi tomada durante na manhã desta terça-feira (20), no julgamento da apelação que contestava a sentença proferida pela 3ª Vara Criminal de Macapá. O relator foi o juiz convocado Marconi Pimenta.

Sidney Leite havia sido condenado a 10 anos de prisão, ao pagamento de multa superior a R$ 100 mil, além da perda do cargo de delegado e do impedimento de ocupar funções públicas por oito anos.

O delegado, que comandou por mais de uma década a Delegacia de Tóxicos e Entorpecentes (DTE), foi preso em setembro de 2022 durante a Operação Queda da Bastilha, deflagrada pelo Gaeco e pela Polícia Federal. Ele foi acusado de beneficiar Ryan Richelle, conhecido como Tio Chico, líder e fundador da FTA, que atualmente cumpre pena na penitenciária de segurança máxima de Mossoró (RN).

No processo, a defesa alegou nulidade das provas, afirmando que as confissões de Tio Chico foram obtidas sob tortura e que houve quebra da cadeia de custódia das evidências. O Ministério Público opinou pela rejeição da apelação.

No julgamento, houve sustentação oral da defesa, conduzida pelo advogado Constantino Braúna, e da acusação, feita pelo promotor de Justiça Leonardo Oliveira, que foi o primeiro a se manifestar. Ele lembrou que o processo tem mais de mil páginas e que atuou nele desde o início das investigações.

Promotor Leonardo Oliveira: “Sdiney era o informante”

O promotor explicou que o inquérito que apurou suposta tortura contra Ryan durante a apreensão de seu celular, em uma enfermaria do Iapen, foi arquivado por falta de provas. Também negou que tenha havido quebra da cadeia de custódia das evidências.

“O que se constata é que, se havia alguma relação de informante entre ambos, o informante era Sidney, que repassava informações privilegiadas, inclusive sobre apreensão de drogas no Iapen. Ele tinha pleno conhecimento do esquema criminoso e atuou para favorecer os interesses do fundador da FTA, braço do PCC no estado”, resumiu o promotor.

Ele ainda argumentou que a obrigação de provar que Ryan era apenas um informante — e não um parceiro — caberia ao delegado, lembrando que este jogou seu celular pessoal no vaso sanitário durante o cumprimento de mandados da operação Queda da Bastilha.

“Durante o período em que conversavam, Ryan negociava 60 quilos de drogas de dentro do Iapen e estava por trás do furto de 38 armas de uma empresa (de vigilância), e o delegado nada fez. Não é próprio da relação de informante conversar com o custodiado no Iapen por celular, informar sobre apreensão de drogas no sistema prisional, envidar esforços por carro e moradia para detento que tinha conhecimento que estava na eminência de ser solto, além de assessorá-lo juridicamente”, acrescentou.

Advogado Constantino Braúna: “delegados e os superiores tinham conhecimento que Ryan era informante”

Leonardo Oliveira citou ainda outros diálogos em que Ryan teria informado ao delegado que fugiria do Amapá assim que fosse libertado, e onde Sidney teria demonstrado esforço para ajudá-lo a sair da prisão, conseguir moradia e veículo para a fuga.

Não havia nenhuma relação de informante, mas uma associação para promover os interesses do líder da facção”, concluiu.

A defesa

O advogado Constantino Braúna destacou que o delegado nunca havia respondido a qualquer procedimento disciplinar em 25 anos de atuação na polícia, tendo desmantelado a facção ao apreender grandes quantidades de drogas. Acrescentou que Ryan foi indiciado pelo delegado em três inquéritos e reafirmou que ele atuava como informante de Sidney e de outros delegados.

“Durante o trabalho do delegado o Amapá viveu seu melhor momento no combate ao tráfico de drogas. Foram centenas de presos e centenas de quilos de entorpecentes. A maioria das prisões era de lideranças da facção. Durante 11 meses, o delegado Sidney manteve contato com Ryan obtendo resultados concretos no combate à criminalidade. Os superiores declararam que tinham pleno conhecimento do uso de Ryan como informante”, comentou.

Braúna afirmou que o delegado combatia com eficiência a facção FTA:

“O delegado geral da época confirmou que o uso de informantes era comum, inclusive com estreitamento da relação para conquistar a confiança, e que quando estava na DTE também se utilizava de informantes, e que era comum jogar isca para ganhar a confiança do informante. Faz parte da estratégia policial. Desmantelou a facção com a ajuda de Ryan como informante, obtendo reconhecimento nacional. Foram 73 prisões, mais de 100 indiciamentos e 300 quilos de drogas apreendidas”, acrescentou.

Segundo o advogado, não há provas do envolvimento do delegado com a FTA. Ele afirmou que interceptações telefônicas, quebras de sigilo e uso de GPS no carro do delegado resultaram em “total ausência de indiciamento”.

O delegado foi denunciado, sem ter sequer sido indiciado. A frase: ‘não se esqueça de mim em seus planos’ refere ao trabalho de apuração de drogas, já que o delegado estava de férias durante parte dessas conversas, inclusive de que Sidney sugeriu que Ryan comentasse que estava com a polícia, e isso nem foi trazido aqui pelo MP para ser discutido.”

Sobre as promessas de moradia e carro blindado, Braúna alegou que jamais seriam cumpridas.

O relator

O juiz relator do processo, Marconi Pimenta, considerou que a alegação de tortura contra Ryan Richelle foi arquivada por falta de provas, pois não havia como saber se os ferimentos haviam sido causados por policiais ou pelo próprio preso.

Ele citou um dos diálogos em que Ryan afirma a Sidney que pediria ao juiz a retirada da tornozeleira eletrônica e que não ficaria sequer um dia em Macapá. O delegado teria, então, oferecido sua residência para o caso de Ryan não permanecer monitorado. Os dois chegaram a comemorar a autorização de saída provisória da cadeia.

“O apelante reconheceu a veracidade de todos os diálogos, mas procurou interpretá-los afirmando que eram promessas vazias porque era informante, e queria sair da FTA. Mas suas assertivas não se sustentam diante das provas.”

Marconi Pimenta votou pela rejeição da apelação e pela manutenção integral da sentença de primeira instância, mas decidiu que o delegado poderá aguardar em liberdade o julgamento do último recurso. O voto dele foi acompanhado por todos os juízes. 

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