Comissão reconhece Dilma Rousseff como anistiada política

Dilma Rousseff Roberto Stuckert Filho/PR

A Comissão de Anistia, vinculada ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), aprovou nesta quinta-feira (22) o pedido de anistia da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), reconhecendo as violações e perseguições que ela sofreu durante a ditadura militar.

Por unanimidade, o colegiado também autorizou o pagamento de indenização no valor de R$ 100 mil, limite máximo previsto em lei para casos dessa natureza.

O reconhecimento foi acompanhado de um pedido formal de desculpas por parte do Estado brasileiro.

Dilma Vana Rousseff desta comissão, pelos poderes que lhe são conferidos, lhe declara anistiada política brasileira. E, em nome do Estado brasileiro, pede desculpas por todas as atrocidades que lhe causou o Estado ditatorial. Causou à senhora, à sua família, aos seus companheiros de luta e a toda a sociedade brasileira”, declarou Ana Maria Lima de Oliveira, presidente da comissão.

Dilma Rousseff, que atualmente preside o Novo Banco de Desenvolvimento do Brics, com sede em Xangai, não compareceu à sessão em razão de compromissos institucionais. Ainda assim, foi homenageada pelos conselheiros, que destacaram seu papel histórico na defesa da democracia.

“Muito obrigada por a senhora existir e ser essa mulher que, como todos lhe chamam, Dilma, coração valente”, disse Ana Maria.

O reconhecimento ocorreu após mais de duas décadas desde que a ex-presidente entrou com a solicitação no âmbito da Comissão de Anistia. O pedido aprovado nesta quinta-feira foi originalmente protocolado por Dilma em 2002, ano de criação do colegiado. No entanto, ela própria solicitou a suspensão do processo em razão dos cargos públicos que passou a ocupar, como ministra de Estado e, posteriormente, presidente da República. 

A tramitação foi retomada apenas em 2016, após o seu impeachment, mas o processo enfrentou diversos entraves burocráticos e foi rejeitado em 2022, durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Na ocasião, os conselheiros entenderam que a solicitação não poderia ser analisada, sob o argumento de que Dilma já havia sido reconhecida como anistiada por comissões estaduais no Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. Ela recorreu da decisão, o que levou à análise feita nesta manhã, sob nova composição da comissão durante o terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Inicialmente, Dilma solicitava uma reparação proporcional ao período em que foi afastada da Fundação de Economia e Estatística, que corresponderia a algo em torno de R$ 2,77 milhões, sem correção monetária.

O valor foi calculado com base em 21 anos e meio de afastamento e no salário mensal que recebia à época, de R$ 10.735. Apesar disso, a legislação vigente limita o valor da indenização a R$ 100 mil em parcela única ou a R$ 2 mil mensais.

Prisão e tortura

A sessão desta manhã rememorou o histórico de repressão sofrido por Dilma durante o regime militar. Militante do grupo VAR-Palmares, a então jovem economista foi presa em 1970 e permaneceu encarcerada por quase três anos. Durante esse período, foi submetida a sessões de tortura física e psicológica, incluindo choques elétricos, afogamento, espancamentos, pau-de-arara e agressões que resultaram em hemorragias graves. 

Sobre isso, em seu depoimento à comissão, Dilma detalhou os episódios de tortura.

“Ali em Juiz de Fora, no Dops [Departamento de Ordem Política e Social], eu descobri que alguns minutos poderiam durar séculos, e a diferença entre sanidade e loucura estava em não se permitir ter muita consciência disso”, afirmou.

Além da prisão, Dilma foi expulsa da universidade e demitida da Fundação de Economia e Estatística do Rio Grande do Sul, onde trabalhava.

O valor da indenização solicitada por ela no pedido de anistia era referente às perdas financeiras causadas por essa medida. Para a comissão, a perseguição pelo regime militar teve, portanto, consequências pessoais, profissionais e acadêmicas, configurando um quadro claro de violação dos direitos humanos.

De acordo com o relator do caso, Rodrigo Lentz, a concessão da anistia tem caráter simbólico e político, além de jurídico.

“Durante o período da ditadura, a requerente dedicou-se à defesa da democracia, da igualdade, da educação estudantil e dos direitos sociais”, declarou.

Segundo ele, o reconhecimento da anistia à ex-presidente representa “uma conquista democrática” e reforça o compromisso do Estado com a memória e a não-repetição.

“Quis a história que a requerente tivesse seu requerimento relatado justamente por um filho da classe trabalhadora, que foi o primeiro a entrar na universidade […], e hoje está aqui para poder proferir esse voto”, disse Lentz. “A história quis assim porque teve pessoas, e sobretudo mulheres, que ousaram não apenas contemplar a história, mas também a transformar e a fazer história. Esse é o legado das revolucionárias”, acrescentou. 

Com a decisão, Dilma Rousseff torna-se oficialmente reconhecida como anistiada política pela instância federal, consolidando o entendimento de que foi vítima de um Estado autoritário. A Comissão de Anistia, criada pela Lei nº 10.559/2002, tem como missão analisar requerimentos de pessoas perseguidas politicamente entre 1946 e 1988, com base em critérios como idade, renda, desemprego e doença. Outros 95 casos foram apreciados na sessão plenária desta quinta-feira.

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