Marceneiro de 102 anos é o último capixaba vivo que foi à 2ª Guerra

Agostinho embarcou para o front italiano em 22 de setembro de 1944, a bordo de um navio de transporte.

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Divulgação/Departamento Tiro de Guerra de Guaçuí

Aos 102 anos, completados no último dia 24 de maio, o marceneiro aposentado Agostinho Ferreira, morador de Guaçuí, no Caparaó Capixaba, é o último expedicionário da Segunda Guerra Mundial vivo no Espírito Santo que integrou a Força Expedicionária Brasileira (FEB).O conflito, travado entre 1939 e 1945, concentrou-se na Europa, mas teve desdobramentos na África, Ásia e Oceania, envolvendo países de todos os continentes, inclusive o Brasil.Agostinho relata que embarcou para o front italiano em 22 de setembro de 1944, a bordo do navio de transporte de tropas General Mann, sob o comando do general Oswaldo Cordeiro de Farias. Retornou ao Brasil em julho de 1945. Segundo o Departamento Tiro de Guerra de Guaçuí, ele é o último ex-combatente capixaba da FEB que ainda está vivo. “Transmitia mensagens com bandeirolas usando o código Morse. Estudei o código e fazia as transmissões. Outro soldado ficava ao meu lado, anotando o que era recebido. Atuávamos tanto no envio quanto na recepção das mensagens”, contou o veterano.O expedicionário recorda que passou cerca de um ano na Itália. “Cada dia estávamos numa cidade diferente. Tomávamos uma localidade e, no dia seguinte, avançávamos. Não havia permanência fixa.”Durante uma ofensiva em abril de 1945, na região de Castel D’Aiano, ele foi atingido por estilhaços de granada. A bravura no combate lhe garantiu a medalha Sangue do Brasil. “Fui ferido três vezes, sempre por estilhaços de granada. Trago cicatrizes na perna e nas costas, marcas de três combates distintos”, relatou.O aposentado também fez questão de destacar a estrutura da tropa nacional. “Temos que tirar o chapéu. O Exército Brasileiro nunca nos deixou faltar nada, nuca mesmo. Quando a guerra acabou, comemoramos muito. Pulávamos de alegria. No retorno ao Brasil, ao desembarcar, ninguém queria saber de nada além de reencontrar a família”, afirmou.Apesar da idade avançada, Agostinho mantém viva a memória da guerra e não esquece o valor da paz. Deixa ainda um recado às novas gerações: “Os jovens de hoje têm que dar valor à liberdade que têm. A gente lutou para isso. Não era fácil, não. Fome, frio, saudade, medo, solidão e angústia. Mas seguimos firmes, pelo Brasil”.Recomeço ao voltar ao País De volta ao Brasil, Agostinho dedicou-se à família e à profissão de marceneiro, que exerceu até a aposentadoria. Segundo o neto Felipe Carvalho Campos, o avô nunca foi de falar muito sobre a guerra, e por isso a família evitava insistir no assunto. Eventualmente, porém, deixava escapar alguma lembrança.“No dia a dia, ele não gostava de comentar sobre a Segunda Guerra. Quando perguntávamos algo, ele respondia com poucas palavras. Acredito que, por ter sido um período que deixou traumas, preferia guardar para si. O que lembro é que ele falava com gosto sobre cozinhar, um hábito que surgiu no tempo do Exército, especialmente durante a guerra. Contava sobre o sopão que preparavam”.Felipe destaca ainda o lado afetivo do avô. “Meu avô sempre foi muito família. Acho que as perdas na guerra fizeram com que ele valorizasse ainda mais a união. Sempre foi muito tranquilo comigo, com minha irmã e minha mãe. Nos ensinou sobre caráter e sobre estar sempre juntos. Incentivava o estudo e repetia: ‘Sigam a carreira que quiserem, mas estudem’”, conta.Atualmente, em razão de problemas de saúde, o ex-combatente está fisicamente mais debilitado. Mas, segundo o neto, a disposição continua firme, especialmente quando o tema é seu time do coração: o Botafogo.

Medalha recebida na 2ª Guerra.

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Divulgação/Departamento Tiro de Guerra de Guaçuí

Homenagem no aniversárioNa manhã do dia 24 de maio, o Departamento Tiro de Guerra de Guaçuí prestou mais uma homenagem ao veterano Agostinho Ferreira da Silva, que completou 102 anos na data. O ex-combatente já havia sido homenageado em outras ocasiões pela guarnição. Durante a cerimônia, Agostinho foi condecorado com o brasão do 38º Batalhão de Infantaria e recebeu o diploma de “Amigo do Batalhão General Tibúrcio”, em reconhecimento aos relevantes serviços prestados ao Exército Brasileiro.O diretor do Tiro de Guerra e prefeito de Guaçuí, Vagner Rodrigues, participou da solenidade e destacou a importância do momento. “Hoje é um dia muito especial para todos nós. Quero parabenizar o senhor Agostinho pelo aniversário e, sobretudo, agradecer por tudo o que fez pelo nosso País. Que Deus continue abençoando sua vida para que possamos celebrar muitos outros aniversários ao seu lado”.O sargento Albert de Faria também enalteceu o significado da homenagem. “No dia 24 de maio, celebramos o Dia da Infantaria, a mais antiga do nosso Exército. É também a data em que comemoramos o aniversário de um herói: o senhor Agostinho Ferreira da Silva, ferido em combate durante a Segunda Guerra Mundial. O senhor completa 102 anos, mas somos nós que celebramos e agradecemos a Deus pela oportunidade de tê-lo entre nós, como exemplo de honra e coragem para mim e para os jovens do Tiro de Guerra que hoje servem ao País”.

Medalhas obtidas por participação
na 2ª Guerra Mundial: recordações guardadas ao longo dos anos

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Divulgação/Departamento Tiro de Guerra de Guaçuí

Neto revela segredo da longevidadeO neto Felipe Carvalho Campos revelou um hábito curioso do avô, embora evite atribuí-lo à sua longevidade. “Não vou dizer que isso é um segredo, mas meu avô tomou cerveja até os 90 anos. O médico pediu para parar, mas ele tomou até essa idade. Ele sempre se alimentou muito bem, e isso pode ter contribuído”, conta.Felipe não esconde o orgulho que sente pela trajetória do avô. “É muito gratificante tê-lo como avô. Não apenas por ele ser um herói de guerra, mas pela pessoa que realmente é e pelo impacto que teve — e ainda tem — nas nossas vidas. Fico feliz por ser neto dele, e minha irmã também”, disse. Na sequência, ele completa: “Quero guardar essa memória de alguém muito simples, que sempre me incentivou a estudar. Se hoje sou advogado e minha irmã é engenheira de petróleo, é por causa dele. É um exemplo de ser humano. Ele é, sem dúvida, o meu herói”. A atuação de Agostinho Ferreira na 2ª Guerra Mundial integra um dos capítulos mais marcantes da história militar brasileira. O Brasil foi o único país da América Latina a enviar tropas para combater na Europa durante o conflito. Entre 1944 e 1945, cerca de 25 mil soldados da Força Expedicionária Brasileira (FEB) foram enviados à Itália. Lá, combateram ao lado das tropas norte-americanas e britânicas em batalhas decisivas como as de Monte Castello, Castelnuovo e Montese.

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