Ovovivíparo: entenda por que termo já é considerado ‘obsoleto’ pela comunidade científica


Pesquisadores do Laboratório de Ecologia e Evolução afirmam que classificação não deve mais ser usada. Lagartinho-do-folhiço (Notomabuya frenata)
Valter caixeta / iNaturalist
O Instituto Butantan , um dos centros de pesquisas de répteis mais respeitados no mundo, publicou neste ano um trabalho denominado: “A vida sexual de serpentes e lagartos”. O material desenvolvido no Leev – Laboratório de Ecologia e Evolução, é assinado pelos pesquisadores Gabrieli Santos de Araújo, Renan Augusto Ramalho e Selma Maria de Almeida-Santos.
Numa linguagem acessível ao público geral, os cientistas dizem que, para conhecer a fundo qualquer grupo de animais, é preciso investigar como ocorre a reprodução das espécies. O texto aponta que dados da biologia reprodutiva são importantes para definição de técnicas de manejo, estratégias de conservação e para conhecer melhor a biodiversidade brasileira.
Períodos de luz, temperatura e quantidade de chuva, são fatores que afetam a distribuição das espécies. No entanto, as variações nas características ambientais dão origem às táticas reprodutivas que variam entre populações e até entre sexos.
Os pesquisadores do Leev afirmam que o “modo reprodutivo” tem como referência o produto da reprodução gerado pelas mães. A oviparidade é o padrão no qual as fêmeas depositam ovos com cascas duras, coriáceas (com aspecto de couro) ou membranosas, fertilizados e em diferentes estados de desenvolvimento. Já a viviparidade é caracterizada pelo fato das fêmeas manterem os embriões dentro de si e darem à luz filhotes totalmente formados.
Cobra-cipó-verde (Chironius bicarinatus)
bettinadungs / iNaturalist
“Até a década de 1970, era comum não considerar serpentes e lagartos que davam à luz a filhotes completamente formados como verdadeiramente vivíparos. Isso para além dos argumentos utilizados para justificar esse fato, tem mais a ver com uma relutância científica”, alegam os pesquisadores do Butantan.
Naquele período a viviparidade era utilizada para se referir apenas a mamíferos placentários. Os pesquisadores relembram que a ciência também é um reflexo do contexto social da época em que é produzida, logo, muitos conceitos tiveram que ser desconstruídos para que o conhecimento pudesse avançar.
“O termo ovoviviparidade foi bastante aplicado à serpentes e lagartos vivíparos, pois acreditava-se, equivocamente, que os ovos eclodiam dentro do corpo da fêmea no momento do parto. Essa classificação também já foi utilizada para se referir à escamados ovíparos que depositavam ovos com casca onde os embriões poderiam ser visualizados (ovoscopia, por exemplo). É importante ressaltar que este último uso inclui não somente serpentes , lagartos, mas também todos os répteis, incluindo as aves”, destacam os biólogos.
Assim, a nomenclatura passou a gerar muita confusão e o avanço dos estudos sobre reprodução foi capaz de elucidar a evolução e a morfologia dos tipos de placentas em serpentes e lagartos, provando que existe fornecimento de água e nutrientes, além de realização de trocas gasosas e remoção de excretas via placenta. Com isso, o termo “ovoviviparidade” se tornou obsoleto.
“Infelizmente , essa classificação ainda é utilizada em muitos materiais didáticos em escolas da rede pública e privada do Brasil, além de ser veiculada em canais de mídia e posts sobre o tema em redes sociais”, advertem os pesquisadores.
O estudo publicado pelo Leev é completo. Ele traz inclusive imagens dos aparelhos reprodutores masculinos e femininos das serpentes e lagartos. No caso das fêmeas o sistema é composto por um par de ovários e de ovidutos. Esses órgãos geralmente são dispostos assimetricamente, ou seja, não é igual em suas partes.
O material publicado traz ainda vários tópicos como os comportamentos vantajosos na reprodução, os padrões reprodutivos e conservação. “Essa publicação reflete o quanto avançamos em relação ao conhecimento sobre a reprodução de serpentes e lagartos em pouco mais de vinte anos no Brasil.
Entender os padrões reprodutivos é como montar um quebra-cabeça. No caso, as peças estão espalhadas pelo território brasileiro que é um dos epicenttos de biodiversidade mundial, mas também resguardadas em museus e coleções científicas espalhadas em instituições, e universidades, que são em sua esmagadora maioria mantidas pelo setor público”, concluem os pesquisadores do Leev.
A maioria das serpentes é ovípara. Mas as mais conhecidas como cascavéis, jararacas e jiboias são vivíparas, ou seja, os filhotes já nascem completos. Ainda há muito a avançar na ciência, mas grandes e importantes passos no estudo dos répteis foram dados pelo Instituto Butantan. O texto completo do trabalho pode ser acessado por link.
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